Muita gente poderia suppor que o dia do cego fosse uma data
internacional, ja que coincide com o dia da martyrizada Sancta Luzia,
que, nas figuras que eu conhescia de infancia, apparescia, de palpebras
cahidas, com um prato nas mãos e, como duas gemmas de ovos frictos, seus
olhos no centro do prato.
Quem se dê ao trabalho de pesquisar (e não é facil checar boas fontes na
rede, todos sabem) constatará, porem, que a data é brazileira e
corresponde à morte de José Alvares de Azevedo, considerado o patrono
dos cegos no paiz. Esse pioneiro carioca morreu cedo, como seu homonymo
paulista, o poeta Alvares de Azevedo, mas teve tempo de introduzir o
systema braille por aqui, favorescido que foi pelo imperador Pedro II
(mais um poncto a favor do monarcha), que deu appoio ao instituto hoje
conhescido como Benjamin Constant (um republicano com cuja cara nunca
fui), mas a officialização da data como Dia Nacional do Cego deve-se ao
presidente Janio Quadros, em 1961, que teve tempo de fazer outras coisas
importantes antes de renunciar ao seu curtissimo mandato. Não discuto as
causas e consequencias da renuncia, mas que "Janio era um genio", la
isso era... Foi um dos poucos politicos republicanos a cujo charisma
tirei o chapéu, uma vez que meu monarchismo só deve satisfacções ao
fallescido collega Roberto Piva, que eu reverencio sem reservas.
Isto posto, retomo o thema do capitulo de outubro nesta columna para
abbordar a cegueira sob o angulo da diversidade. Digo isto porque uma
das coisas que mais me indignaram quando perdi a visão foi o tractamento
padrão dado a todos os cegos pelas instituições assistenciaes, não sei
si por culpa de deficiencias methodologicas ou por simples preguiça
mental. Ora, si entre os "normovisuaes" cada caso é um caso, por que
cada cego não saberia onde lhe apperta o passo? Não! A fundação à qual
recorri queria me "treinar" como si eu fosse um robô sem formatação que
precisasse ser programmado. Eu teria que apprender braille, porque as
caixas de remedio trazem relevo de fabrica e porque os cardapios agora
ja estão em braille. Teria que usar uma vara metallica dobravel cujo
comprimento attinge meu peito, só porque alguem decidiu que todo cego
precisa disso e não, por exemplo, duma bengala com cabo de guardachuva
da altura do meu umbigo, que acho muito mais practica por ser penduravel
no braço emquanto tenho de usar ambas as mãos, sem ter de arrastar pelo
chão um troço preso por elastico ao meu pulso. Teria que saber andar
bengalando sozinho e, caso dispuzesse de grana, preparar-me para
adquirir um cão guia da raça labrador, sendo que minha raça favorita é o
basset hound e não tenho a menor intenção de sahir à rua desaccompanhado
dum "normovisual" em cujo hombro possa me appoiar. Em summa, os
educadores ou rehabilitadores de cegos não querem nem saber si você
ficou assim ou é de nascença, muito menos si você ja conhesce o
alphabeto romano, inclusive distinguindo uma familia typographica da
outra (como a fonte garamond da times) e nem supporta appalpar aquelles
ponctinhos salientes que mais parescem gergelim no pão que algo escripto
e legivel. Ora, nada tenho contra um systema que permitte que os cegos
se alphabetizem, mas eu ja tinha curso superior e ja era escriptor
quando fiquei totalmente cego, porra! Eu preciso é dum computador
fallante como este no qual redijo minha collaboração, este sim,
utilissimo e adequado ao meu caso.
O problema não é só dos cegos, não! Si dependesse das esquerdas
trabalhadoras unidas de todo o mundo, por exemplo, todos os cidadãos
communs communizados teriam de locomover-se de bicycleta e vestir roupa
da mesma cor, como na China maoista. A mulher, si não fosse a dona de
casa domesticamente prendada pelos utensilios de consumo capitalista,
teria de ser a companheira de lucta maior do operario padrão, com o qual
comporia a familia modello do regime socialista, incorruptivel pela
decadencia burgueza do lesbianismo ou da sublitteratura pornographica. E
por ahi vae, sempre algum dictadorzinho de plantão tentando impor normas
de comportamento collectivo, mercadologicas, ideologicas ou theologicas.
Por essas e outras foi que, quando trocaram os elevadores do meu predio,
consultaram-me si eu queria braille no painel dos botões e respondi que
de nada me addeantaria, ao que elles collocaram um painel com dois typos
de relevo, o algarismo arabico e o braille correspondente ao numero de
cada andar, de modo que fosse util a mim, que moro no oitavo e
reconhesço na poncta do dedo os dois circulos superpostos, e para algum
visitante que seja cego de nascença e reconhesça aquellas reticencias
verticaes palpaveis. Ao menos nisso minha "especificidade" foi
attendida, ufa!
Por este anno, basta. Desejo a todos um bom 2016 e me despeço com estes
poeminhas recentes, um sonnetto do livro DESILLUMINISMO, um novo
madrigal e umas glosas ineditas.
NÃO ESCREVO EM RELEVO! [5071]
Com odio fico quando acham que leio
usando o braille! Cego totalmente
fiquei ja quarentão! Lendo com lente
ainda estava! Odeio braille, odeio!
Ao cego de nascença existe um meio
de se alphabetizar: o braille a gente
acceita, neste caso! Mas não tente
alguem me convencer que é bello o feio!
Recordo-me das lettras: teem seu traço
de recta e curva feito, não de poncto,
que nada significa e que eu rechaço!
Passar o dedo em ponctos, que eu nem conto,
de tantos que são, frustra! Cansa o braço!
Só noto que um inutil jogo eu monto!
MADRIGAL VISUAL
O cego concretista appalpa o pé
e lê, no amendoim, nonsense, até.
Ninguem é mais poeta nem concreto
que o cego, que tacteia a dimensão
da lettra na palavra, avulso objecto.
Em cada grão palpavel, o olho são
não vê sentido algum, mas interpreto
eu, sem a luz do dia, a cor do grão.
MOTTE GLOSADO
Só desejo, no meu dia,
ser eu mesmo e não robô.
Cada cego gostaria
si não fosse tão submisso
a uma norma, e fallar disso
só desejo, no meu dia.
Ja que faço poesia,
me colloco em tão pornô
situação, que até cocô
tenha um cego de comer.
Assim posso, com prazer,
ser eu mesmo e não robô.
Eu, no dia da cegueira,
não ler braille commemoro.
Nem poemas meus decoro
mas meu faro tudo cheira
e a audição segue certeira.
Bom seria no cocô
não pisar e, no metrô,
depender menos do guia.
Só desejo, no meu dia,
ser eu mesmo e não robô.
///
sábado, 19 de dezembro de 2015
sábado, 28 de novembro de 2015
NOVEMBRO/2015: INTUIÇÃO FEMINISTA
Si bastasse ter um dia de protecção ou de lucta, as mulheres estariam
com tudo, pois, alem dos dias nacional e internacional da mulher, existe
o dia das mulheres do campo e o dia de lucta contra a exploração da
mulher, sem fallar no dia das mães, da vovó, da sogra, da cozinheira, da
enfermeira ou da prostituta.
Mas, em novembro, o dia 25 foi reservado para o thema da violencia
contra a mulher, particularmente interessante porque envolve a aggressão
sexual, chamada de "estupro" quando a vagina é penetrada e de
"attemptado violento ao pudor" quando a penetração forçada viola o cu ou
a bocca da victima. Isso segundo o jargão juridiquez, que
deliberadamente ignora o estupro contra homens, tal como a rainha
Victoria ignorava o lesbianismo. Curioso é que, de meus tempos de
adolescente, lembro-me de certos filmes dublados ou legendados que
traduziam o estupro oral da mulher como "crueldade mental", que, no
original americano, seria, litteralmente, "mental cruelty", figura
juridica ainda mais euphemistica que "attemptado violento ao pudor", e
mais suggestiva das intenções sadicas do aggressor, usada inclusive como
justificativa para pedidos de divorcio por parte da esposa ultrajada...
Para bom entendedor, seria como si dissessem: si a mulher appanha para
chupar, é "physical cruelty"; si chupa para não appanhar, seria "mental
cruelty".
Claro que nem toda a violencia é sexual, mas, geralmente, a mulher dicta
"de malandro" não apenas appanha delle como leva a consequente "surra de
picca". Si ella "gosta de appanhar" nem vem ao caso, ou viria, si, de
accordo com Nelson Rodrigues, "nem todas as mulheres gostam de appanhar,
só as normaes".
Toda a argumentação feminista contra o machismo domestico soa até
anachronica, no seculo actual, face à barbarie commettida pelos
jihadistas islamicos sobre suas escravas, ou antes, prisioneiras de
"guerra sancta", um medievalismo do tempo das cruzadas que volta a
assombrar o mundo, passados tantos seculos. A proposito do tractamento
dado à mulher pelo radicalismo islamico é que fui buscar um sonnetto de
Valentim Magalhães, tão modellar que foi incluido por Bilac em seu
TRACTADO DE VERSIFICAÇÃO. Em seguida, appresento algo de minha auctoria.
SONNETTO [Valentim Magalhães]
Ante a mesquita de aureos minaretes
açoitam dois telingas a trahidora.
As vergastas, subtis como floretes,
sibilam sobre a carne temptadora.
À vibração das varas, estremescem
seus niveos membros, firmes, delicados,
e, nos espasmos do soffrer, parescem
das contorsões do gozo electrizados.
Geme aos golpes, que as carnes lhe retalham,
e, aberta a rosea bocca, os olhos bellos
perolas vertem, que seu peito orvalham.
Dobram-se as curvas, soltam-se os cabellos,
e do alvo collo, admargurado e exsangue,
- como esparsos rubis - gotteja o sangue.
No livro O GLOSADOR MOTTEJOSO eu tinha glosado o motte abbaixo, corrente
na cantoria nordestina, do qual fiz uma releitura em forma de
sonnettilho no recemlançado livro SACCOLA DE FEIRA. Comparem e notem
que, na primeira leitura, o rhythmo da redondilha não tem accento fixo
na terceira syllaba. Mais recentemente, glosei outro motte, pertinente
ao thema deste mez, e aqui ja mantenho o rhythmo accertado no
sonnettilho. Confiram:
<http://cl.s6.exct.net/?qs=170b59a38d0aa656ed12f2847aefb1c9b455ca74c4c7e7d0397fd2da044ed403>
MOTTE GLOSADO
Na proxima encarnação
eu prefiro ser mulher.
Mais opprimidos, quem são?
Negros? Indios? Pobres? Loucos?
Não quero ser desses "poucos"
na proxima encarnação!
A casta dos sem-visão,
mais baixa que outra qualquer,
ao abuso é de colher!
Si é para chupar caralho
e tomar no cu que valho,
eu prefiro ser mulher!
A VOLTA DO MOTTE DO SEXO [3648]
Um poeta que eu conhesço,
talentoso e creativo,
diz que paga caro o preço
por não ter sexo passivo:
"Eu queria pelo avesso
ter nascido, à luz dum crivo
genital! Sou macho, e esqueço:
de qualquer gloria me privo!"
E elle affirma: a poetiza,
de talento nem precisa,
si tem algo a dar e der...
Não invoca o motte em vão:
"Na proxima encarnação
eu prefiro ser mulher!"
MOTTE GLOSADO
Nas mulheres não se batte
nem siquer com uma flor.
Sobra macho que as maltracte:
chutes, socos, bofetadas...
Só com flores perfumadas
nas mulheres não se batte!
Uma excappa caso accapte
o que exige o seu senhor:
chupa, engole, aguenta odor
com o qual não se accostuma,
um bodum que não perfuma
nem siquer com uma flor.
///
com tudo, pois, alem dos dias nacional e internacional da mulher, existe
o dia das mulheres do campo e o dia de lucta contra a exploração da
mulher, sem fallar no dia das mães, da vovó, da sogra, da cozinheira, da
enfermeira ou da prostituta.
Mas, em novembro, o dia 25 foi reservado para o thema da violencia
contra a mulher, particularmente interessante porque envolve a aggressão
sexual, chamada de "estupro" quando a vagina é penetrada e de
"attemptado violento ao pudor" quando a penetração forçada viola o cu ou
a bocca da victima. Isso segundo o jargão juridiquez, que
deliberadamente ignora o estupro contra homens, tal como a rainha
Victoria ignorava o lesbianismo. Curioso é que, de meus tempos de
adolescente, lembro-me de certos filmes dublados ou legendados que
traduziam o estupro oral da mulher como "crueldade mental", que, no
original americano, seria, litteralmente, "mental cruelty", figura
juridica ainda mais euphemistica que "attemptado violento ao pudor", e
mais suggestiva das intenções sadicas do aggressor, usada inclusive como
justificativa para pedidos de divorcio por parte da esposa ultrajada...
Para bom entendedor, seria como si dissessem: si a mulher appanha para
chupar, é "physical cruelty"; si chupa para não appanhar, seria "mental
cruelty".
Claro que nem toda a violencia é sexual, mas, geralmente, a mulher dicta
"de malandro" não apenas appanha delle como leva a consequente "surra de
picca". Si ella "gosta de appanhar" nem vem ao caso, ou viria, si, de
accordo com Nelson Rodrigues, "nem todas as mulheres gostam de appanhar,
só as normaes".
Toda a argumentação feminista contra o machismo domestico soa até
anachronica, no seculo actual, face à barbarie commettida pelos
jihadistas islamicos sobre suas escravas, ou antes, prisioneiras de
"guerra sancta", um medievalismo do tempo das cruzadas que volta a
assombrar o mundo, passados tantos seculos. A proposito do tractamento
dado à mulher pelo radicalismo islamico é que fui buscar um sonnetto de
Valentim Magalhães, tão modellar que foi incluido por Bilac em seu
TRACTADO DE VERSIFICAÇÃO. Em seguida, appresento algo de minha auctoria.
SONNETTO [Valentim Magalhães]
Ante a mesquita de aureos minaretes
açoitam dois telingas a trahidora.
As vergastas, subtis como floretes,
sibilam sobre a carne temptadora.
À vibração das varas, estremescem
seus niveos membros, firmes, delicados,
e, nos espasmos do soffrer, parescem
das contorsões do gozo electrizados.
Geme aos golpes, que as carnes lhe retalham,
e, aberta a rosea bocca, os olhos bellos
perolas vertem, que seu peito orvalham.
Dobram-se as curvas, soltam-se os cabellos,
e do alvo collo, admargurado e exsangue,
- como esparsos rubis - gotteja o sangue.
No livro O GLOSADOR MOTTEJOSO eu tinha glosado o motte abbaixo, corrente
na cantoria nordestina, do qual fiz uma releitura em forma de
sonnettilho no recemlançado livro SACCOLA DE FEIRA. Comparem e notem
que, na primeira leitura, o rhythmo da redondilha não tem accento fixo
na terceira syllaba. Mais recentemente, glosei outro motte, pertinente
ao thema deste mez, e aqui ja mantenho o rhythmo accertado no
sonnettilho. Confiram:
<http://cl.s6.exct.net/?qs=170b59a38d0aa656ed12f2847aefb1c9b455ca74c4c7e7d0397fd2da044ed403>
MOTTE GLOSADO
Na proxima encarnação
eu prefiro ser mulher.
Mais opprimidos, quem são?
Negros? Indios? Pobres? Loucos?
Não quero ser desses "poucos"
na proxima encarnação!
A casta dos sem-visão,
mais baixa que outra qualquer,
ao abuso é de colher!
Si é para chupar caralho
e tomar no cu que valho,
eu prefiro ser mulher!
A VOLTA DO MOTTE DO SEXO [3648]
Um poeta que eu conhesço,
talentoso e creativo,
diz que paga caro o preço
por não ter sexo passivo:
"Eu queria pelo avesso
ter nascido, à luz dum crivo
genital! Sou macho, e esqueço:
de qualquer gloria me privo!"
E elle affirma: a poetiza,
de talento nem precisa,
si tem algo a dar e der...
Não invoca o motte em vão:
"Na proxima encarnação
eu prefiro ser mulher!"
MOTTE GLOSADO
Nas mulheres não se batte
nem siquer com uma flor.
Sobra macho que as maltracte:
chutes, socos, bofetadas...
Só com flores perfumadas
nas mulheres não se batte!
Uma excappa caso accapte
o que exige o seu senhor:
chupa, engole, aguenta odor
com o qual não se accostuma,
um bodum que não perfuma
nem siquer com uma flor.
///
segunda-feira, 2 de novembro de 2015
OUTUBRO/2015: VISTA NOCTURNA DA PAIZAGEM DESERTICA
Claro que, para mim, importa mais tractar do dia do cego, que vae cahir
em dezembro, mas o facto é que, na segunda quincta-feira de outubro, é
celebrado o tal do Dia Mundial da Visão, que alguns estupidos resolveram
instituir para a prevenção da cegueira, iniciativa que, por si, nada tem
de condemnavel. Como cego, fico revoltado, não pela decisão de crear um
dia voltado a tal conscientização, mas pela inconveniencia duma data
movel, que só serve para confundir os outros estupidos que montam
kalendarios commemorativos sem a devida checagem das origens de cada
commemoração. Tanto pode cahir num dez como num onze, por exemplo, este
malfadado dia, que me causa ainda mais dor de cotovello, digo, de globo
ocular inchado pelo glaucoma. Motivos não faltam, comtudo, para a
revolta dos demais cegos e "normovisuaes". Sinão, vejamos.
Agorinha mesmo, em 2014, internautas se perguntavam como era possivel
que até policiaes tivessem um comportamento descripto como "a sadistic
desire to be cruel to a blind man". Tudo porque a policia de Miami
deteve trez negros por posse de maconha mas só liberou dois delles. O
terceiro, chamado Tannie Burke, cego dum olho e semicego do outro, era
capaz de caminhar pelo quarteirão durante o dia mas não conseguiria ir
longe à noite. Justamente por isso os policiaes o levaram de carro até
uma area deserta e distante antes de soltal-o. Sem luzes nem casas por
perto, o joven negro passou appuros até achar alguem que o adjudasse, ja
que os policiaes tinham ficado com seu cellular. Burke foi caminhando
pela estrada, um pé no asphalto, outro no matto, para evitar que um
carro o attropelasse no meio da pista. Tinha explicado aos tiras que era
cego, mas elles fizeram pouco caso. Obvio que a cegueira de Burke
estimulou o sadismo de seus captores.
Os internautas que denunciaram o facto ficariam ainda mais chocados si
prestassem mais attenção ao que circula pela rede.
Na propria Florida, segundo materia de James Ridgeway e Jean Casella
postada em 2013, prisioneiros surdos e cegos eram mais maltractados
justamente por causa da deficiencia. Os surdos tinham a cabeça raspada
só dum lado para que, alem de invalidos, parescessem palhaços. Houve
denuncia de que o departamento encarregado dos presos deficientes
incentivava a cultura do medo e do desamparo, systematicamente abusando
de suas limitações physicas e psychologicas. Sem accommodações
adequadas, os surdos ficavam subjeitos a abusos, inclusive sexuaes, não
só por parte dos carcereiros, mas pelos demais detentos. Rick Scott,
governador da Florida, nem tomou conhescimento das denuncias. Um dos
detentos, chamado Sam Hart, relatou abusos sexuaes contra surdos e cegos
na prisão de Tomoka. Como represalia, foi victima de maior oppressão. O
castigo para quem delata maus tractos é a solitaria. Os guardas plantam
cellulares na cella do delator para que seja accusado pela posse do
apparelho, mesmo sendo surdo e impossibilitado de usar um telephone.
Segundo Hart, cegos e cadeirantes são costumeiramente surrados e
currados, mais ainda si derem queixa, e são deixados sem banho, em meio
a fezes e urina, alem dos rattos.
Não apenas presos communs são victimas de abuso decorrente da cegueira.
Em Guantanamo alguns presos politicos, cegados pelos torturadores, são
mais facilmente submettidos a novas torturas. Segundo materia de
Sherwood Ross postada em 2010, um sobrevivente chamado Murat Kurnaz
escreveu o livro intitulado FIVE YEARS OF MY LIFE: AN INNOCENT MAN IN
GUANTANAMO, no qual cita o caso dum cego com mais de 90 annos entre as
victimas da tortura que os guardas applicavam a rir.
Quem acha que abusos contra cegos são mais detectaveis entre
prisioneiros talvez se espante com algumas situações roptineiras
documentadas nas paginas virtuaes. Cidadãos communs são alvo
preferencial de jovens saudaveis, como se deprehende de relatos
vehiculados na rede. Aqui vão alguns exemplos.
Num asylo em Brunswick, no estado americano do Maine, o funccionario
encarregado de barbear e banhar os velhos foi preso por abusar
sexualmente dum cego que soffria de demencia. Embora o velho insistisse
em denunciar os abusos à sua neta e esta desse queixa à direcção do
asylo, ninguem levou o caso a serio, até que o funccionario fosse
flagrado estuprando o velho. O facto serviu de alerta para a situação de
pessoas vulneraveis subjeitas a maus tractos nas casas de repouso e
estimulou os parentes dos internos a dar-lhes credito quando estes criam
coragem para revelar o que soffrem, ja que pessoas incapazes e indefesas
teem sido constantemente assediadas em taes instituições e difficilmente
alguem vence o medo e a vergonha a poncto de contar que foi victima de
abuso sexual, segundo materia de Erin Rhoda postada em 2012.
Num trem londrino, um cego de 64 annos, que viajava sozinho, foi
infernizado por uma gangue de oito a dez jovens, que começaram attirando
jornaes sobre elle. O cego lhes pediu para pararem com aquillo e allegou
ser deficiente, o que attiçou ainda mais a crueldade da molecada.
Temendo que a gangue agisse com mais violencia, o cego tentou chegar à
porta do vagão, mas foi cercado e escarnescido, tendo que accionar o
dispositivo de emergencia, o que attrahiu os guardas ferroviarios.
Emquanto o cego era attendido, os jovens approveitaram para sahir do
trem, sem que fossem identificados por outros passageiros, segundo
materia postada ja em 2015.
Tambem na Inglaterra, Scott Cunningham, um cego accostumado a percorrer
longas distancias com seu cão guia, foi quasi attropelado por cyclistas
e motoqueiros que ficaram passando rente a elle e tirando sarro. O
cachorro, atterrorizado, teve que ser retreinado depois do trauma, e o
proprio cego foi descaradamente advertido pela policia para que não
frequentasse o local por onde os arruaceiros costumavam transitar,
segundo materia de Gary Fanning postada em 2014.
Na Irlanda do Norte, outro caso de gangue zoando um cego edoso occorreu
com David Archer, que pagou o preço por caminhar sozinho à noite, só
adjudado pela bengala branca. Foi surprehendido por jovens desordeiros
vindos de algum pub, que resolveram infernizal-o. Accostumado a
percorrer seu itinerario, elle foi abbordado por um dos rapazes, que
fingiu offerescer adjuda. Ao responder que não precisava, os outros se
approximaram e, aggarrando-o, fizeram-no dar voltas sobre si mesmo até
perder noção da direcção a seguir. Rindo e debochando de sua cegueira,
só pararam de gyral-o quando ficou tonto e desnorteado. Ao perceber que
tinham ido embora, Archer tentou retomar seu caminho, mas perambulou por
cinco horas, ouvindo buzinas soando bem perto, até achar alguem que o
soccorresse, ja de madrugada. Desde então, traumatizado, evita sahir
sozinho. Na verdade, não foi a primeira vez que Archer soffrera abuso de
jovens, pois no mesmo trajecto tinha sido alvo de pegadinhas armadas por
motoristas practicantes de rachas nocturnos, que estacionavam os carros
na sua frente e acceleravam repentinamente para assustal-o, tirando
sarro de sua insegurança, segundo materia de 2014 no jornal ULSTER
HERALD.
Alguns casos, independentemente da gravidade, parescem até anecdoticos
si contados por ou para pessoas bem humoradas, como estas recorrentes
situações conjugaes.
A simples manchette postada num blog chamado MAJANGAA em 2014 ja soa
como piada: "Homem batte em cego depois de fazer sexo com sua esposa". O
cego, chamado Emmanuel Kamoto, prestou queixa contra o vizinho Watmore
Chinyamakovho e pediu indemnização porque o outro se approveitou da sua
cegueira para dormir com sua esposa. Ella e o amante se communicavam por
signaes de maneira que o cego não notasse que o vizinho frequentava sua
casa a fim de corneal-o. Quando descobriu que era chifrado, Kamoto quiz
tomar satisfacções do outro, mas foi physica e verbalmente abusado por
Chinyamakovho, ou, por outras palavras, levou corno e couro, chifre e
chiste. Até o primo do amante apparesceu para adjudar a zoar o cego.
Perante a justiça, o amante limitou-se a negar as accusações, ao que o
tribunal limitou-se a prohibir Chinyamakovho de continuar visitando o
casal. Nada se commentou sobre a attitude da esposa, que provavelmente
se encarregou de espalhar a fofoca e incrementar a fama do marido
trouxa.
Neste outro caso, postado por um anonymo em 2009, a mulher trintona
chamada Maria Nangolo trocou o septentão marido cego Gerd Kali por outro
edoso, depois de abusar do velho companheiro por mais de um anno. Ella
deixava o marido trancado e sem comida emquanto sahia para ser comida
pelo amante, com quem ficava bebendo e gandaiando, segundo o testemunho
dos vizinhos. O cego appanhava della, quando voltava bebada, e ainda
ficava sem comer, si ella nada lhe preparasse. Os vizinhos chegavam a
passar comida ao cego pela janella, quando elle gritava que tinha fome.
Mas, na presença da esposa, elle dizia às visitas que era bem tractado,
mesmo estando sem banho por varios dias. Perante as auctoridades, o cego
declarou que amava a esposa e esta declarou que, pelo contrario, ella é
que appanhava delle, tornando-se obvio que Kali temia ser abandonado ou
castigado caso entregasse a mulher. Quanto ao amante, naturalmente
allegou que seu relacionamento com ella não passava de pura amizade,
mesmo que dormissem na mesma cama emquanto o cego dormia em outra... ou
emquanto o cego ficava accordado e de ouvido attento.
Tambem chama a attenção o caso dum cego cincoentão de nome Rick, que
perdeu a visão depois de ter chegado a boa situação financeira mas,
desde então, decahiu no poder acquisitivo e na qualidade de vida. A
companheira, com quem vivia sem filhos ja por duas decadas, tornou-se
verdadeiro demonio a partir da perda visual de Rick, que passou a
cumprir o que ella determinava. Era obrigado a levantar da cama às cinco
da manhan e passava o dia ouvindo os gritos della, exigindo obediencia
como si lidasse com um alumno relapso. Quando Rick tentou abandonal-a,
ella admeaçou denuncial-o à policia por violencia domestica. Temendo não
ser capaz de se virar sozinho, Rick tornou-se dependente da companheira
a poncto de supportar quaesquer humilhações, segundo materia postada num
forum virtual. Quem postou não esclaresce si a mulher trahia o cego com
outros namorados, mas as suspeitas não deixam de pairar...
Outros casos são francamente comicos, si não fossem tragicos, como este,
tambem occorrido na Inglaterra, onde o cego Colin Farmer foi attingido
por disparos duma arma de choques electricos typo "taser" só porque não
attendeu à ordem dum policial para que parasse onde estava. Caminhando
lentamente com auxilio da bengala, elle foi confundido com outro homem
que, segundo a versão da policia, portava uma espada de samurai, por
incrivel que paresça, ou por má intenção do policial. Alguem denunciara
à policia que teria visto um suspeito portando a dicta espada, e o cego
foi interceptado como sendo tal suspeito. Achando que o grito de "stop"
não fosse dirigido a elle, Farmer não interrompeu o passo e foi jogado
ao chão ao receber o disparo paralysante pelas costas, segundo materia
postada em 2013.
Voltando à estupidez de quem creou o dia da visão, encerro o meu libello
de hoje com este singello motte glosado. Até mais ver!
Vejo o Dia da Visão
como cada admanhescer.
Kalendarios não serão
para todos o bastante:
sem vantagens que alguem cante
vejo o Dia da Visão.
Para o cego, algum tesão
só terá quem vê prazer
em gozar podendo ver.
Quem seus olhos ja perdeu
não vê nada sinão breu
como cada admanhescer.
///
sábado, 3 de outubro de 2015
SEPTEMBRO/2015: O VELHO MORREU DO SEGURO
Paresce brincadeira! Si você consultar meia duzia de almanachs, achará
meia duzia de datas differentes para o "Dia do Edoso"! Isso me lembra um
apposentado que peregrina de hospital em hospital, ou de pharmacia em
pharmacia, em busca dum attendimento ou dum remedio que ninguem tem para
lhe offerescer!
Quando os Beatles ainda estavam na casa dos vinte e alguma coisa, lhes
parescia muito velho alguem que tivesse passado dos sessenta. Por
signal, a propria geração hippie tinha como um de seus lemmas "Não
confie em ninguem com mais de trinta annos". Não era de extranhar que,
reapproveitando phrases correntes no cancioneiro rockeiro, tenham
gravado "When I'm 64" imitando arranjo de canção dos tempos do
grammophone. Ironicamente, Paul, auctor da canção, ja passou dos
septenta e se acha moleque o sufficiente para seguir na estrada, show
apoz show. Isso me anima a commemorar meus 64 (completados em junho) com
algum optimismo em termos de disposição physica, não de respeito ou
consideração, que são expectativas muito pretensiosas para um cego
terceirizado, digo, na terceira edade.
Isto posto, passemos a alguns poemas allusivos: um sonnetto, um madrigal
e um motte glosado. Até outubro, e que nos cruzemos por muitos outubros
mais!
DIA DO EDOSO [4754]
Segundo a millennar sabedoria
judaica, envelhescer não é problema.
"Não seja catastrophico! Não tema!"
Assim diz o rabbino, e sentencia:
"É tempo de colher o que se havia
plantado...", explica o sabio. O estratagema
funcciona quasi sempre, mas o thema
afflige aquella typica judia.
Nervosa, apprehensiva, ella compara
seu caso ao do habitante do deserto,
logar onde ninguem jamais plantara...
Responde-lhe o rabbino: "Mas, bem perto
dalli, na terra fertil, minha cara
senhora, quem plantou colher quiz, certo?"
MADRIGAL PATRIARCHAL
O velho patriarcha ainda dá
as ordens, mas ninguem o escuta, ja.
De surdo se faz, quando lhe interessa,
e em tudo se intromette, diz o neto.
O filho ouvil-o finge, mas tem pressa
e logo sae de perto. Sem affecto,
o avô só quer que alguem bençam lhe peça,
mas todos são atheus, hoje, elle excepto.
MOTTE GLOSADO
Reis cantou: Panella velha
é que faz comida boa.
Si uma "edosa" nos pentelha,
é ranzinza e rabugenta,
mas de quem tem seus sessenta
Reis cantou: "Panella velha..."
Si em seu dia a tal se espelha
e decide ser pessoa
respeitavel, tenta à toa.
Nem na cama um cabra a approva,
pois mulher, quanto mais nova,
é que faz comida boa.
///
meia duzia de datas differentes para o "Dia do Edoso"! Isso me lembra um
apposentado que peregrina de hospital em hospital, ou de pharmacia em
pharmacia, em busca dum attendimento ou dum remedio que ninguem tem para
lhe offerescer!
Quando os Beatles ainda estavam na casa dos vinte e alguma coisa, lhes
parescia muito velho alguem que tivesse passado dos sessenta. Por
signal, a propria geração hippie tinha como um de seus lemmas "Não
confie em ninguem com mais de trinta annos". Não era de extranhar que,
reapproveitando phrases correntes no cancioneiro rockeiro, tenham
gravado "When I'm 64" imitando arranjo de canção dos tempos do
grammophone. Ironicamente, Paul, auctor da canção, ja passou dos
septenta e se acha moleque o sufficiente para seguir na estrada, show
apoz show. Isso me anima a commemorar meus 64 (completados em junho) com
algum optimismo em termos de disposição physica, não de respeito ou
consideração, que são expectativas muito pretensiosas para um cego
terceirizado, digo, na terceira edade.
Isto posto, passemos a alguns poemas allusivos: um sonnetto, um madrigal
e um motte glosado. Até outubro, e que nos cruzemos por muitos outubros
mais!
DIA DO EDOSO [4754]
Segundo a millennar sabedoria
judaica, envelhescer não é problema.
"Não seja catastrophico! Não tema!"
Assim diz o rabbino, e sentencia:
"É tempo de colher o que se havia
plantado...", explica o sabio. O estratagema
funcciona quasi sempre, mas o thema
afflige aquella typica judia.
Nervosa, apprehensiva, ella compara
seu caso ao do habitante do deserto,
logar onde ninguem jamais plantara...
Responde-lhe o rabbino: "Mas, bem perto
dalli, na terra fertil, minha cara
senhora, quem plantou colher quiz, certo?"
MADRIGAL PATRIARCHAL
O velho patriarcha ainda dá
as ordens, mas ninguem o escuta, ja.
De surdo se faz, quando lhe interessa,
e em tudo se intromette, diz o neto.
O filho ouvil-o finge, mas tem pressa
e logo sae de perto. Sem affecto,
o avô só quer que alguem bençam lhe peça,
mas todos são atheus, hoje, elle excepto.
MOTTE GLOSADO
Reis cantou: Panella velha
é que faz comida boa.
Si uma "edosa" nos pentelha,
é ranzinza e rabugenta,
mas de quem tem seus sessenta
Reis cantou: "Panella velha..."
Si em seu dia a tal se espelha
e decide ser pessoa
respeitavel, tenta à toa.
Nem na cama um cabra a approva,
pois mulher, quanto mais nova,
é que faz comida boa.
///
sábado, 29 de agosto de 2015
AGOSTO/2015: EM DESSERVIÇO DA DESUNIDADE
Ja externei minha raiva dos que propõem datas baptizadas de forma muito
prolixa, mas existe um outro typo de inutilidade commemorativa: coisas
genericas demais, obvias demais, implicitas demais, ou, por outro
angulo, hypocritas demais, vale dizer, completamente desnecessarias. Em
agosto, por exemplo, temos um raio de "Dia da Unidade Humana", que,
segundo o palavreado oco, typico dos discursos politicos, remette à
diversidade cultural e, ao mesmo tempo, à egualdade entre todos os
habitantes do planeta. Ora, vão lamber sabão! O dia da confraternização
universal, em primeiro de janeiro, ja não seria sufficiente? E as varias
datas allusivas à raça ou contra a discriminação? Não fazem effeito? Si
fazem, para que mais uma? Si não fazem, para que perder tempo?
Não dá impressão de que ja existe o Dia da Chuva no Molhado e o Dia do
Dia Nublado? Do Dia do Dia Ensolarado ja nem fallo, pois seria pleonasmo
astrologico, né?
Taes besteiras se equiparam, typo Dia do Humanismo, Dia Humanitario, Dia
da Conscientização Nacional ou Dia da Comprehensão Mundial. Ja não
bastam os dias mundial e nacional dos direitos humanos, em differentes
mezes?
Quando me deparo com datas tão inconsistentes, penso logo no Dia da
População Terrestre, no Dia do Planeta Terra, no Dia do Kosmo e no Dia
do Infinito. Como naquella parlenda infantil: "Viva eu! Viva tudo! Viva
o Chico Barrigudo!" Ah, e não é que existe até o Dia do Disco Voador?
Esse pelo menos é bem-humorado e suggere abducções em massa de
convidados terraqueos às festividades marcianas...
Mas, só para voltar ao tal Dia da Unidade Humana, fiz questão de glosar
um motte para a occasião, que segue abbaixo, juncto com um madrigal. E
por hoje chega, que ja estamos viajando demais pelo espaço sideral, o
qual, aliaz, tambem tem seu dia...
MADRIGAL SIDERAL
Poeta que ouve estrellas sabe bem
aquillo que, do espaço até nós, vem.
Um disco voador signaes emitte
que apenas os poetas teem o dom
de ouvir. De apenas ver e dar palpite
tem dom qualquer ufologo. Ouço com
certeza, pois sou cego, e meu limite
é o fim do proprio kosmo, o escuro tom.
Affirmo, pois, euphorico e de bom
humor, que são verdinhos, sim, os taes
etês, ou marcianos, cujo som
eu capto com clareza, ainda mais
si rock estou ouvindo: um do Elton John
transmitte (o do astronauta) alguns signaes.
MOTTE GLOSADO
"Unidade Humana" vale
festejarmos o seu dia.
Impossivel que eu não falle
na questão da raça humana,
pois, nem mesmo a quem se ufana,
"Unidade Humana" vale.
Que a natura nos eguale
ja duvido, mas a fria
deducção nos dissocia.
Si, entre cegos, manda um rei
mais "normal", é falso, eu sei,
festejarmos o seu dia.
///
sábado, 1 de agosto de 2015
JULHO/2015 (2ª QUINZENA): VICIO E VIRTUDE NA VIDA DO SONNETTISTA
Os maiores sonnettistas occidentaes (portanto mundiaes, ja que o
sonnetto, ao contrario do macarrão ou do futebol, é uma typica invenção
occidental) não são maiores pelo volume da obra, certamente, pois que a
contam pelas centenas, não pelos milhares de sonnettos, a começar dos
paes da creança: Petrarcha com trez centenas, Camões com duas. No
Brazil, mesmo durante o apogeu parnasiano, a conta não inflaciona alem
do excedido milhar que se attribue a Luiz Delphino, a julgar pelo
balanço do tambem parnasiano Cruz Filho, cuja HISTORIA E THEORIA DO
SONNETTO (que assim rebaptizei apoz annotar criticamente) credita mais
de oito centenas ao arcadico José Maria do Amaral e evita maiores
comparações numericas.
Como ninguem aqui está fallando dos gols de Pelé nem de Friedenreich, a
preoccupação quantitativa só faria sentido si o sonnettista fosse
candidato a uma vaga, não na Academia Brazileira de Lettras, mas no
Guinness Book. Pessoalmente, pilheriei bastante sobre um hypothetico
recorde do genero emquanto, entre 1999 e 2012, compuz alem do quincto
milhar e, mais acintosamente, quando superei os 2.279 sonnettos
compostos pelo italiano Giuseppe Belli no seculo XIX, embora sciente de
que, dentro ou fora do meu proprio paiz, haveria algum maluco que,
anonymo ou não, se fixasse nesse molde ainda mais obsessivamente do que
me fixei.
Ja na epocha (2008) em que eu andava pelos dois milhares, alguem me
fofocou que um certo Jorge Tannuri passava dos quattro. Quando,
finalmente, me "limpei" do vicio, em 2012, elle teria chegado aos seis
milhares e, a menos que battesse as botas, estaria hoje pelos dez. O
mais inaccreditavel nessa historia é que alguem com tamanha bagagem, si
não entrasse para a ABL, teria de ser ao menos commentadissimo na rede
virtual, como eu mesmo fui, ainda que pouquissimo lido... mas Tannuri
não era encontradiço no cyberespaço. Seria um personagem da ficção
internerdica? Só recentemente as buscas deram algum resultado, para meu
allivio, pois eu temia que os boatos fossem alimentados apenas pela
lenda dum auctor quantitativamente productivo mas qualitativamente
inconsistente. Ainda bem que sua versificação se me revelou inteiriça e,
o mais importante de tudo, não era assim tão oca. Não sei por que a
midia especializada, os organizadores de anthologias ou os zineiros e
blogueiros não ventilavam o nome de Tannuri. Publicar, elle publicava,
fosse no formato livro ou folheto. Participar de encontros e debattes
poeticos, que eu saiba, elle participava. Paresce que até fundou uma
Sociedade Litteraria do Sonnetto, que seria a SOLIS, mas a sigla suggere
um isolamento que não sei si chega às proporções do Gremio Recreativo e
Eschola de Samba Eu Sou Mais Eu. Espero que não, mesmo sem ter sido
convidado a me associar, pois sempre achei que o sonnetto precisava de
mais defensores, ja que detractores não lhe faltam.
Agora que me livrei do TOS (transtorno obsessivo sonnettomaniaco), posso
allegar, entre amigos, que isso de recorde é bobagem, ainda que o
proprio Tannuri, ao que me relatam, fizesse questão de superar metas.
Minhas allusões ao assumpto, alem de ironicas, serviam mais para
emphatizar a compulsão sonnettistica como alternativa (no caso do cego
emputescido e puteador) ao suicidio, ao alcoholismo, às drogas, ao jogo
ou, simplesmente, à insomnia e à masturbação. Si eu realmente estivesse
obcecado pelo recorde e dependente dessa insomne addicção, não teria
parado de sonnettar em 2012 nem teria interrompido a producção tantas
vezes para escrever romance, conto, chronica, motte glosado, pelleja ou
tractados estichologicos e orthographicos. Peor, si eu de facto
ambicionasse um logar no pantheão dos campeões de productividade
sonnetifera, minha insomnia não seria causada pela cegueira, mas pela
paranoia de que, em qualquer poncto do paiz, uma Emily Dickinson da
vida, quem sabe la em Florianopolis, em Paraisopolis ou em Petropolis,
tivesse deixado, manuscriptos em calhamaços, mais de dez ou vinte mil
sonnettinhos psychographados, fossem assucarados ou amargurados, para
desbancar Amaral, Delphino, Mattoso ou Tannuri sommados... Credo em
Cruz, Filho!
Voltando ao Jorge, que felizmente não é tão aguado nem mellado quanto o
J. G. de Araujo Jorge, achei delle, si não seus livretos, alguns
exemplos que em nada desmerescem a reputação desse paulistano de 1939
que, radicado no Rio, formou-se pela Eschola Nacional de Engenharia da
Universidade do Brazil (hoje UFRJ) em 1961, especializou-se na França em
1964 e, desde 1976, habituou-se a compor sonnettos, timidamente a
principio e, depois de apposentar-se em 1997, capitulou à mania. Sei bem
como é isso. Mas não é intrigante? Mesmo registrando seus livros na
Bibliotheca Nacional e, ja em 2008, chegando aos cinco mil (emquanto eu
ainda estava nos trez), seus sonnettos não eram divulgados siquer a
poncto de chegarem-me às mãos... O caso de Tannuri me lembra o de outro
profissional da area, Eno Theodoro Wanke, incansavel pesquisador da
trova e tambem sonnettista, que só era bem conhescido em circulos
alternativos, embora tivesse até suas connexões internacionaes.
A que se deve (perguntariam os adeptos da theoria da conspiração) tal
ommissão, ou tal indifferença, ao caso de Tannuri? Seria por causa da
thematica? Mas si até a minha, pornographica em grande parte, não
permanesceu silenciada pelos puristas e puritanos! Ou seria por algum
viez politico, ideologico ou sectario, vale dizer, as inexoraveis
panellinhas e egrejinhas, que vivem a nos patrulhar? Quanto às
egrejinhas, talvez uma pista para o hypothetico boycotte ao Tannuri
fosse sua solidariedade ethnica e ethica ao povo palestino, ao qual
tambem me solidarizei, como no caso do sonnetto "Damnações Unidas" que
offeresci à anthologia POEMAS PARA A PALESTINA, organizada por Claudio
Daniel e Khaled Mahassen. Não sei. Só sei que Tannuri maneja sem pejo a
grammatica, a metrica, a rhyma e, principalmente, a thematica. Si não é
desbragadamente debochado nem despudoradamente fetichista, isso até
deveria ser tido na conta de virtude, por opposição ao vicio que me
estigmatizou como pornographo. Algum mestrando ou doutorando
provavelmente theorizará a respeito, ainda que tarde.
Examinemos, entretanto, o que temos à mão, attendo-nos aos contextos
palestino e brazileiro. Intercalo sonnettos meus aos de Tannuri a fim de
propiciar ao leitor uma base de parallelismo. Depois commentamos.
A HEROICA SAPATADA [Sonnetto 4630 de Jorge Tannuri, em 19/12/2008]
Ao fim dos seus ruinosos dois mandatos,
Resolve o abutre-mor inconsequente,
Chegar até Baghdad, onde seus actos
Deixaram morticinio deprimente...
Um jornalista adverso dos maus tractos
Impostos pelo biltre prepotente
No Irak, direcciona dois sapatos
E o chama de cachorro delinquente...
Na offensa contra o norte-americano,
Mostrou-se bem heroico o mussulmano,
Embora fosse amarga a recompensa
Da sapatada, com prisão, tortura,
Espancamento, abuso de censura
E desrespeito à livre acção da Imprensa.
LANÇAMENTO DE LIVRO [Sonnetto 3886 de Glauco Mattoso, em 17/10/2010]
Sapatos attirar no presidente,
si for americano, é o melhor gesto
de alguem que, revoltado, faz protesto
e, ao vivo, está das cameras na frente.
Mas gesto ainda mais intelligente
é aquelle do escriptor, tão immodesto
a poncto de esperar que o manifesto
lhe renda fama e gloria, de repente:
Seu proprio livro attira (e rente passa
ao rosto do estadista), emquanto a photo
lhe flagra a cappa e a imagem nem embaça.
Em todos os jornaes, depois, eu noto
que ommittem livro e auctor, ja que, de graça,
ninguem faz propaganda nem dá voto.
GAZA [Sonnetto 4635 de Jorge Tannuri, em 31/12/2008].
Que importa democratica victoria
Obtida num pragmatico escrutinio,
Si um povo é dizimado em morticinio
Por manu-militari peremptoria?
Que importa Mahomé, no vaticinio
Da crença mussulmana alcançar gloria,
Si a vida do Hamaz é merencoria
Com Gaza no calvario do exterminio?
Que importa existir ONU quando as guerras
Decretam-se, por ambições de terras
Tramadas pelos credos assassinos?
Que importa haver a Paz, si a humanidade
Condemna à morte e priva a liberdade,
Na patria dos heroicos palestinos?
SEMITA [Sonnetto 854 de Glauco Mattoso, em 28/8/2003]
"Shalom!" traduz "Salam!": todo opprimido
é primo do oppressor, com quem apprende
a lingua de quem compra e de quem vende
petroleo ou arma, a seita ou o partido.
Mais tempo a guerra aos bancos tem servido,
mais rende, emquanto a morte não se rende
à vida. Quando, emfim, alguem desvende
o enigma, já estará tudo perdido.
Salim e Salomão, Thorah e Corão.
Caim cahiu, e Abel é bellicista.
Javeh propoz, shiitas disporão.
Na areia, cada gotta é uma conquista.
Diluvios racionaram cada grão.
Divisa é linha. A paz, poncto de vista.
O VERO EIXO DO MAL [Sonnetto 4638 de Jorge Tannuri, em 2/1/2009]
Um eixo, para o mal, antes citado
Por Bush, o criminoso costumeiro,
No seu papel de estupido guerreiro,
Não teve seu perjurio comprovado...
Um vinculo deveras destinado
À morte, se appresenta sorrateiro,
Com Tel-aviv e Washington, certeiro
Em dizimar quem seja de outro lado...
Na ONU com o seu poder de veto,
Os norte-americanos dão concreto
Appoio contra a causa palestina
E as armas de Israel vão destroçando
Escholas, hospitaes, gente... em nefando
Terror que desaccapta a lei divina.
DAMNAÇÕES UNIDAS [Sonnetto 4713 de Glauco Mattoso, em 25/9/2011]
Questão controvertida! A Palestina
estado quer tornar-se. Tem direito,
é claro. Um bom accordo estava acceito
entre arabe e judeu, não fosse a mina.
A mina, subterranea, sibyllina,
symbolica, que impede esse perfeito
accordo, é o interesse do subjeito
que está, não la, nem perto, nem na China.
Quem mella qualquer chance de fronteira
commum haver alli, tem seu quartel
num banco americano, é o que me cheira.
Não só: tambem está botando fel
nas aguas, no petroleo, e vae à feira
vender metralhadora ao coronel.
HA... [Sonnetto 3850 de Jorge Tannuri, em 24/5/2006]
Ha récordes de imposto arrecadado
E o povo sobrevive na inquietude...
Ha nullo attendimento na Saude
E o pão de cada dia está minguado...
Ha tempos, o governo nos illude,
Mentindo ser precioso o resultado,
Mas só num raciocinio retardado
Cae bem esta banal similitude...
Ha pantanos nos leitos das estradas,
Ha escholas que estão sendo abandonadas
E o ensigno se degrada por inteiro...
Ha crime organizado e insegurança...
E deante desta homerica lambança,
Pergunta-se onde vae tanto dinheiro.
REDUNDANTE [Sonnetto 190 de Glauco Mattoso, em 1999]
Pediram-me um escandalo, e é p'ra ja.
Malversação de fundos? Nada disso.
O seio da modello, que é postiço,
tambem ja não excita a lingua má.
A droga nas escholas? Ninguem dá
a minima importancia ao desserviço.
Sequestro de empresario? Algum sumiço?
Remedio adulterado? Qua! Qua! Qua!
A fraude eleitoral virou roptina.
As contas no exterior não causam pasmo.
Ninguem extranha o cheiro da latrina.
Até Mathusalem ja tem orgasmo!
Só resta a commentar, em cada esquina,
que o cego é chupa-rola... Um pleonasmo!
Dirão os adeptos do rigor estichologico que, à primeira e superficial
leitura, tudo paresce fluir bem nos versos tannurianos. Os decasyllabos,
quasi todos heroicos, estão regularmente metrificados, rhymados e
rhythmados. Mais attentamente observando, comtudo, verificarão que as
rhymas são, por vezes, pauperrimas: no sonnetto 4630 de Tannuri, quattro
substantivos dão versos graves em "atos", quattro adjectivos em "ente",
mais dois adjectivos em "ano", dois substantivos em "ura" e dois em
"ensa". A syntaxe delle, telegraphica, caresceria de artigos e
conjuncções que alliviassem a juxtaposição de tantos substantivos e
adjectivos. Emfim, o effeito essencialmente poetico, que deveria ser
obtido por meio das figurações metaphoricas ou anastrophicas mais
typicas do discurso sonnettistico, deixa, diriam, a desejar, ficando
apenas a impressão de obviedade simploria, aggravada pela ordem directa,
fria e secca. Isso para não fallarem na sisudez casmurra, na ausencia
total de ironia, sarcasmo, emfim, senso de humor. Quanto a mim, que
nunca estou livre de criticas, dirão que tambem no sonnetto 190 as
rhymas dos tercettos são pobres, que tambem commetto ellipses
asyndeticas, e tal. Mas são os leitores que vão dizer si meus versos
teem a cara do Mattoso e si os de Tannuri teem cara só delle.
Technicamente considerando, segundo os mais zelosos, os sonnettos de
Tannuri seriam correctos. Poeticamente, porem, nem tanto. Ahi alguem
poderá dizer que quaesquer sonnettos, de todos os auctores (inclusive os
meus) incorreriam nos mesmos lapsos, uns mais, outros menos relapsos. De
certo modo, sim. Em milhares de versos, por exemplo, fatalmente algumas
rhymas mais recorrentes accabam por banalizar-se. Uns tantos logares
communs, à força de reiteradamente empregados, desgastam o estylo e
causam aquella monotona e tediosa impressão de autoplagio ao fim da
leitura de poucas centenas de estrophes. Até Camões padesce de taes
vicios durante a extensa jornada dos LUSIADAS. Mas cada poeta acha seu
trunfo num estylema especial, numa "assignatura" discursiva pessoal,
numa "tara" verbal particular, propria ou figuradamente fallando, que
lhe "salva" a originalidade da composição, e Tannuri paresce resentir-se
da falta dessa marca registrada. Um sonnetto seu poderia ser
impessoalmente attribuido a qualquer outro auctor do genero, desses que
pullulam obscuramente pelas anthologias, sem que ninguem desse pela
coisa. Por essas e outras é que, alem do meu linguajar promiscuamente
chulo e prophanamente castiço, faço questão de orthographar meus versos,
tal como reorthographei os de Tannuri aqui exemplificados. E você,
leitor, seria capaz de confundir um deca delle com um meu? Peor que sim,
alguem dirá que confundiu. E agora, Pedro José?
Si serve de consolo, não morri da sonnettomania que accompanharia ao
sepulchro a mediunica senhorinha de Petropolis ou o hyperactivo
engenheiro apposentado, pois o cego puto, debattendo-se entre a
insomnia, o pesadelo e a phantasia masturbatoria, appegar-se-a
desesperadamente ao motte glosado, ao madrigal, ao conto, ao romance ou
ao ensaio, quando não ao buddhismo, ao fakirismo ou à automassagem
linguopedal contorcionistica, a fim de preencher seus ultimos estertores
antes do derradeiro suspiro... Ufa!
///
sonnetto, ao contrario do macarrão ou do futebol, é uma typica invenção
occidental) não são maiores pelo volume da obra, certamente, pois que a
contam pelas centenas, não pelos milhares de sonnettos, a começar dos
paes da creança: Petrarcha com trez centenas, Camões com duas. No
Brazil, mesmo durante o apogeu parnasiano, a conta não inflaciona alem
do excedido milhar que se attribue a Luiz Delphino, a julgar pelo
balanço do tambem parnasiano Cruz Filho, cuja HISTORIA E THEORIA DO
SONNETTO (que assim rebaptizei apoz annotar criticamente) credita mais
de oito centenas ao arcadico José Maria do Amaral e evita maiores
comparações numericas.
Como ninguem aqui está fallando dos gols de Pelé nem de Friedenreich, a
preoccupação quantitativa só faria sentido si o sonnettista fosse
candidato a uma vaga, não na Academia Brazileira de Lettras, mas no
Guinness Book. Pessoalmente, pilheriei bastante sobre um hypothetico
recorde do genero emquanto, entre 1999 e 2012, compuz alem do quincto
milhar e, mais acintosamente, quando superei os 2.279 sonnettos
compostos pelo italiano Giuseppe Belli no seculo XIX, embora sciente de
que, dentro ou fora do meu proprio paiz, haveria algum maluco que,
anonymo ou não, se fixasse nesse molde ainda mais obsessivamente do que
me fixei.
Ja na epocha (2008) em que eu andava pelos dois milhares, alguem me
fofocou que um certo Jorge Tannuri passava dos quattro. Quando,
finalmente, me "limpei" do vicio, em 2012, elle teria chegado aos seis
milhares e, a menos que battesse as botas, estaria hoje pelos dez. O
mais inaccreditavel nessa historia é que alguem com tamanha bagagem, si
não entrasse para a ABL, teria de ser ao menos commentadissimo na rede
virtual, como eu mesmo fui, ainda que pouquissimo lido... mas Tannuri
não era encontradiço no cyberespaço. Seria um personagem da ficção
internerdica? Só recentemente as buscas deram algum resultado, para meu
allivio, pois eu temia que os boatos fossem alimentados apenas pela
lenda dum auctor quantitativamente productivo mas qualitativamente
inconsistente. Ainda bem que sua versificação se me revelou inteiriça e,
o mais importante de tudo, não era assim tão oca. Não sei por que a
midia especializada, os organizadores de anthologias ou os zineiros e
blogueiros não ventilavam o nome de Tannuri. Publicar, elle publicava,
fosse no formato livro ou folheto. Participar de encontros e debattes
poeticos, que eu saiba, elle participava. Paresce que até fundou uma
Sociedade Litteraria do Sonnetto, que seria a SOLIS, mas a sigla suggere
um isolamento que não sei si chega às proporções do Gremio Recreativo e
Eschola de Samba Eu Sou Mais Eu. Espero que não, mesmo sem ter sido
convidado a me associar, pois sempre achei que o sonnetto precisava de
mais defensores, ja que detractores não lhe faltam.
Agora que me livrei do TOS (transtorno obsessivo sonnettomaniaco), posso
allegar, entre amigos, que isso de recorde é bobagem, ainda que o
proprio Tannuri, ao que me relatam, fizesse questão de superar metas.
Minhas allusões ao assumpto, alem de ironicas, serviam mais para
emphatizar a compulsão sonnettistica como alternativa (no caso do cego
emputescido e puteador) ao suicidio, ao alcoholismo, às drogas, ao jogo
ou, simplesmente, à insomnia e à masturbação. Si eu realmente estivesse
obcecado pelo recorde e dependente dessa insomne addicção, não teria
parado de sonnettar em 2012 nem teria interrompido a producção tantas
vezes para escrever romance, conto, chronica, motte glosado, pelleja ou
tractados estichologicos e orthographicos. Peor, si eu de facto
ambicionasse um logar no pantheão dos campeões de productividade
sonnetifera, minha insomnia não seria causada pela cegueira, mas pela
paranoia de que, em qualquer poncto do paiz, uma Emily Dickinson da
vida, quem sabe la em Florianopolis, em Paraisopolis ou em Petropolis,
tivesse deixado, manuscriptos em calhamaços, mais de dez ou vinte mil
sonnettinhos psychographados, fossem assucarados ou amargurados, para
desbancar Amaral, Delphino, Mattoso ou Tannuri sommados... Credo em
Cruz, Filho!
Voltando ao Jorge, que felizmente não é tão aguado nem mellado quanto o
J. G. de Araujo Jorge, achei delle, si não seus livretos, alguns
exemplos que em nada desmerescem a reputação desse paulistano de 1939
que, radicado no Rio, formou-se pela Eschola Nacional de Engenharia da
Universidade do Brazil (hoje UFRJ) em 1961, especializou-se na França em
1964 e, desde 1976, habituou-se a compor sonnettos, timidamente a
principio e, depois de apposentar-se em 1997, capitulou à mania. Sei bem
como é isso. Mas não é intrigante? Mesmo registrando seus livros na
Bibliotheca Nacional e, ja em 2008, chegando aos cinco mil (emquanto eu
ainda estava nos trez), seus sonnettos não eram divulgados siquer a
poncto de chegarem-me às mãos... O caso de Tannuri me lembra o de outro
profissional da area, Eno Theodoro Wanke, incansavel pesquisador da
trova e tambem sonnettista, que só era bem conhescido em circulos
alternativos, embora tivesse até suas connexões internacionaes.
A que se deve (perguntariam os adeptos da theoria da conspiração) tal
ommissão, ou tal indifferença, ao caso de Tannuri? Seria por causa da
thematica? Mas si até a minha, pornographica em grande parte, não
permanesceu silenciada pelos puristas e puritanos! Ou seria por algum
viez politico, ideologico ou sectario, vale dizer, as inexoraveis
panellinhas e egrejinhas, que vivem a nos patrulhar? Quanto às
egrejinhas, talvez uma pista para o hypothetico boycotte ao Tannuri
fosse sua solidariedade ethnica e ethica ao povo palestino, ao qual
tambem me solidarizei, como no caso do sonnetto "Damnações Unidas" que
offeresci à anthologia POEMAS PARA A PALESTINA, organizada por Claudio
Daniel e Khaled Mahassen. Não sei. Só sei que Tannuri maneja sem pejo a
grammatica, a metrica, a rhyma e, principalmente, a thematica. Si não é
desbragadamente debochado nem despudoradamente fetichista, isso até
deveria ser tido na conta de virtude, por opposição ao vicio que me
estigmatizou como pornographo. Algum mestrando ou doutorando
provavelmente theorizará a respeito, ainda que tarde.
Examinemos, entretanto, o que temos à mão, attendo-nos aos contextos
palestino e brazileiro. Intercalo sonnettos meus aos de Tannuri a fim de
propiciar ao leitor uma base de parallelismo. Depois commentamos.
A HEROICA SAPATADA [Sonnetto 4630 de Jorge Tannuri, em 19/12/2008]
Ao fim dos seus ruinosos dois mandatos,
Resolve o abutre-mor inconsequente,
Chegar até Baghdad, onde seus actos
Deixaram morticinio deprimente...
Um jornalista adverso dos maus tractos
Impostos pelo biltre prepotente
No Irak, direcciona dois sapatos
E o chama de cachorro delinquente...
Na offensa contra o norte-americano,
Mostrou-se bem heroico o mussulmano,
Embora fosse amarga a recompensa
Da sapatada, com prisão, tortura,
Espancamento, abuso de censura
E desrespeito à livre acção da Imprensa.
LANÇAMENTO DE LIVRO [Sonnetto 3886 de Glauco Mattoso, em 17/10/2010]
Sapatos attirar no presidente,
si for americano, é o melhor gesto
de alguem que, revoltado, faz protesto
e, ao vivo, está das cameras na frente.
Mas gesto ainda mais intelligente
é aquelle do escriptor, tão immodesto
a poncto de esperar que o manifesto
lhe renda fama e gloria, de repente:
Seu proprio livro attira (e rente passa
ao rosto do estadista), emquanto a photo
lhe flagra a cappa e a imagem nem embaça.
Em todos os jornaes, depois, eu noto
que ommittem livro e auctor, ja que, de graça,
ninguem faz propaganda nem dá voto.
GAZA [Sonnetto 4635 de Jorge Tannuri, em 31/12/2008].
Que importa democratica victoria
Obtida num pragmatico escrutinio,
Si um povo é dizimado em morticinio
Por manu-militari peremptoria?
Que importa Mahomé, no vaticinio
Da crença mussulmana alcançar gloria,
Si a vida do Hamaz é merencoria
Com Gaza no calvario do exterminio?
Que importa existir ONU quando as guerras
Decretam-se, por ambições de terras
Tramadas pelos credos assassinos?
Que importa haver a Paz, si a humanidade
Condemna à morte e priva a liberdade,
Na patria dos heroicos palestinos?
SEMITA [Sonnetto 854 de Glauco Mattoso, em 28/8/2003]
"Shalom!" traduz "Salam!": todo opprimido
é primo do oppressor, com quem apprende
a lingua de quem compra e de quem vende
petroleo ou arma, a seita ou o partido.
Mais tempo a guerra aos bancos tem servido,
mais rende, emquanto a morte não se rende
à vida. Quando, emfim, alguem desvende
o enigma, já estará tudo perdido.
Salim e Salomão, Thorah e Corão.
Caim cahiu, e Abel é bellicista.
Javeh propoz, shiitas disporão.
Na areia, cada gotta é uma conquista.
Diluvios racionaram cada grão.
Divisa é linha. A paz, poncto de vista.
O VERO EIXO DO MAL [Sonnetto 4638 de Jorge Tannuri, em 2/1/2009]
Um eixo, para o mal, antes citado
Por Bush, o criminoso costumeiro,
No seu papel de estupido guerreiro,
Não teve seu perjurio comprovado...
Um vinculo deveras destinado
À morte, se appresenta sorrateiro,
Com Tel-aviv e Washington, certeiro
Em dizimar quem seja de outro lado...
Na ONU com o seu poder de veto,
Os norte-americanos dão concreto
Appoio contra a causa palestina
E as armas de Israel vão destroçando
Escholas, hospitaes, gente... em nefando
Terror que desaccapta a lei divina.
DAMNAÇÕES UNIDAS [Sonnetto 4713 de Glauco Mattoso, em 25/9/2011]
Questão controvertida! A Palestina
estado quer tornar-se. Tem direito,
é claro. Um bom accordo estava acceito
entre arabe e judeu, não fosse a mina.
A mina, subterranea, sibyllina,
symbolica, que impede esse perfeito
accordo, é o interesse do subjeito
que está, não la, nem perto, nem na China.
Quem mella qualquer chance de fronteira
commum haver alli, tem seu quartel
num banco americano, é o que me cheira.
Não só: tambem está botando fel
nas aguas, no petroleo, e vae à feira
vender metralhadora ao coronel.
HA... [Sonnetto 3850 de Jorge Tannuri, em 24/5/2006]
Ha récordes de imposto arrecadado
E o povo sobrevive na inquietude...
Ha nullo attendimento na Saude
E o pão de cada dia está minguado...
Ha tempos, o governo nos illude,
Mentindo ser precioso o resultado,
Mas só num raciocinio retardado
Cae bem esta banal similitude...
Ha pantanos nos leitos das estradas,
Ha escholas que estão sendo abandonadas
E o ensigno se degrada por inteiro...
Ha crime organizado e insegurança...
E deante desta homerica lambança,
Pergunta-se onde vae tanto dinheiro.
REDUNDANTE [Sonnetto 190 de Glauco Mattoso, em 1999]
Pediram-me um escandalo, e é p'ra ja.
Malversação de fundos? Nada disso.
O seio da modello, que é postiço,
tambem ja não excita a lingua má.
A droga nas escholas? Ninguem dá
a minima importancia ao desserviço.
Sequestro de empresario? Algum sumiço?
Remedio adulterado? Qua! Qua! Qua!
A fraude eleitoral virou roptina.
As contas no exterior não causam pasmo.
Ninguem extranha o cheiro da latrina.
Até Mathusalem ja tem orgasmo!
Só resta a commentar, em cada esquina,
que o cego é chupa-rola... Um pleonasmo!
Dirão os adeptos do rigor estichologico que, à primeira e superficial
leitura, tudo paresce fluir bem nos versos tannurianos. Os decasyllabos,
quasi todos heroicos, estão regularmente metrificados, rhymados e
rhythmados. Mais attentamente observando, comtudo, verificarão que as
rhymas são, por vezes, pauperrimas: no sonnetto 4630 de Tannuri, quattro
substantivos dão versos graves em "atos", quattro adjectivos em "ente",
mais dois adjectivos em "ano", dois substantivos em "ura" e dois em
"ensa". A syntaxe delle, telegraphica, caresceria de artigos e
conjuncções que alliviassem a juxtaposição de tantos substantivos e
adjectivos. Emfim, o effeito essencialmente poetico, que deveria ser
obtido por meio das figurações metaphoricas ou anastrophicas mais
typicas do discurso sonnettistico, deixa, diriam, a desejar, ficando
apenas a impressão de obviedade simploria, aggravada pela ordem directa,
fria e secca. Isso para não fallarem na sisudez casmurra, na ausencia
total de ironia, sarcasmo, emfim, senso de humor. Quanto a mim, que
nunca estou livre de criticas, dirão que tambem no sonnetto 190 as
rhymas dos tercettos são pobres, que tambem commetto ellipses
asyndeticas, e tal. Mas são os leitores que vão dizer si meus versos
teem a cara do Mattoso e si os de Tannuri teem cara só delle.
Technicamente considerando, segundo os mais zelosos, os sonnettos de
Tannuri seriam correctos. Poeticamente, porem, nem tanto. Ahi alguem
poderá dizer que quaesquer sonnettos, de todos os auctores (inclusive os
meus) incorreriam nos mesmos lapsos, uns mais, outros menos relapsos. De
certo modo, sim. Em milhares de versos, por exemplo, fatalmente algumas
rhymas mais recorrentes accabam por banalizar-se. Uns tantos logares
communs, à força de reiteradamente empregados, desgastam o estylo e
causam aquella monotona e tediosa impressão de autoplagio ao fim da
leitura de poucas centenas de estrophes. Até Camões padesce de taes
vicios durante a extensa jornada dos LUSIADAS. Mas cada poeta acha seu
trunfo num estylema especial, numa "assignatura" discursiva pessoal,
numa "tara" verbal particular, propria ou figuradamente fallando, que
lhe "salva" a originalidade da composição, e Tannuri paresce resentir-se
da falta dessa marca registrada. Um sonnetto seu poderia ser
impessoalmente attribuido a qualquer outro auctor do genero, desses que
pullulam obscuramente pelas anthologias, sem que ninguem desse pela
coisa. Por essas e outras é que, alem do meu linguajar promiscuamente
chulo e prophanamente castiço, faço questão de orthographar meus versos,
tal como reorthographei os de Tannuri aqui exemplificados. E você,
leitor, seria capaz de confundir um deca delle com um meu? Peor que sim,
alguem dirá que confundiu. E agora, Pedro José?
Si serve de consolo, não morri da sonnettomania que accompanharia ao
sepulchro a mediunica senhorinha de Petropolis ou o hyperactivo
engenheiro apposentado, pois o cego puto, debattendo-se entre a
insomnia, o pesadelo e a phantasia masturbatoria, appegar-se-a
desesperadamente ao motte glosado, ao madrigal, ao conto, ao romance ou
ao ensaio, quando não ao buddhismo, ao fakirismo ou à automassagem
linguopedal contorcionistica, a fim de preencher seus ultimos estertores
antes do derradeiro suspiro... Ufa!
///
JULHO/2015 (1ª QUINZENA): MONSTROS SAGRADOS E MESTRES DESSACRALIZADOS
Poucos mezes attraz, o appresentador do programma nocturno da radio
Estadão (si não me enganno, o proprio Emmanuel Bomfim, optimo como
sempre em seu personalissimo estylo "queixo cahido") entrevistava um fan
do Michael Jackson, de cujo nome não me lembro, nem do motivo da
entrevista. Mas o cara parescia saber tudo da vida do Michael, pois
resaltou inclusive o vanguardismo dos videoclips produzidos para as
faixas do album THRILLER, impeccaveis exemplos da arte a serviço do
showbiz. A certa altura, o entrevistado confessou que, si o Michael
acconselhasse seus fans a puxar fumo, elle seria o primeiro a admittir o
uso da maconha, fiel seguidor que era. Fiquei ouvindo, interessado e
curioso pelo que viria a seguir, mas, quando o cara tentou explicar por
que o Michael era "superior" a Stevie Wonder, não pude deixar de rir.
Pensei commigo: a unica vantagem do Jackson sobre o Wonder é que um
sabia dansar e outro não pode. No mais, a comparação é descabida.
Michael Jackson não passa dum astro pop, um mytho midiatico. Suas
canções, deschartado o appello choreographico, são automaticas e
monotonas, ao contrario da consistencia e da variedade do repertorio de
Stevie Wonder, este sim, um expoente do soul e de generos affins. Mal
comparando, seria o mesmo que ouvir dum fan do Chubby Checker que seu
idolo é melhor que Fats Domino, ou dum fan de Andy Kim que este supera
Neil Diamond. Pessoalmente, ouço todos, mas não inverto as posições.
Mas fanatismo é isso mesmo. Qualquer argumento vale como pretexto para
defender a "primazia" dum idolo sobre os idolos alheios. Detalhe: curto
Stevie Wonder, mas elle não é meu maior idolo na praia da negritude
sonora. Prefiro Wilson Pickett. Nenhum dos citados, aliaz, seria
exactamente um idolo do rock. O proprio Elvis Presley, analysado
friamente, tem pequena parcella de seu repertorio verdadeiramente ligada
ao rock. Quanto aos Beatles, admitto: sou beatlemaniaco, mas isso nem é
signal de fanatismo e sim mera attitude padrão, commum a todos que
accompanharam attentamente a historia do rock, que começa cincoentista e
termina oitentista. Fanatismo, propriamente dicto, é curtir bandas
"discipulas" até mais que as matrizes, como os Raspberries, a Electric
Light Orchestra, o Badfinger ou o Tomorrow em relação aos Beatles, ou
mesmo as New York Dolls em relação aos Rolling Stones. Desnecessario
lembrar que as torcidas de Stones e Beatles ja rivalizaram como
corinthianos e sampaulinos.
Citar o Tomorrow vem a proposito, pois é a banda que melhor reflectiu os
Beatles na phase psychodelica, ja que Raspberries ou Badfinger os
reflectem nas phases mais palataveis ao consumidor commum da
beatlemania. E, em se tractando de psychodelismo, ha differenças basicas
entre a eschola britannica e a americana, ja que, nesta, as duas bandas
mais influentes foram os Byrds e o Jefferson Airplane, que deixaram
innumeros grupos "discipulos", alguns incluidos nos historicos volumes
da serie NUGGETS, tão bem revisitada pelos Ramones no album ACID EATERS.
Eu sei, Ramones e Byrds pouco teem em commum, a não ser os ponctos de
contacto entre hippies e punks quanto à contestação do "Systema", mas,
como idéa puxa idéa, approveito para dizer que sou fanatico por ambas as
bandas, cada uma em sua epocha.
Toda esta reflexão tem logar a pretexto do dia 13, mundialmente
consagrado ao rock, genero que foi se desmembrando em tantos subgeneros
tribaes que dá para entender o fundamentalismo quasi cego dum defensor
do Stevie Wonder, do Ray Charles ou mesmo do José Feliciano... Conforme
a preferencia do fan, 13 de julho pode ser anniversario dos Rolling
Stones (1962), lançamento do album de estréa do Queen (1973) ou data do
show "Live Aid" (1985).
Paro, portanto, com a digressão e pinço dois ganchos para os poemas aqui
incluidos: a relativa affinidade entre hippies e punks e a sensibilidade
dos sessentistas para resgatar as raizes, no caso o country rock pelos
Byrds, como suggerem os versos "A little bit of courage, is all we lack.
/ So catch me if you can, I'm goin' back." da canção "Goin' back", faixa
do album THE NOTORIOUS BYRD BROTHERS, que por signal nem foi composta
por elles e sim por Carole King com seu parceiro Jerry Goffin. Fallando
em raizes, finalizo sustentando uma these ja admittida nos meios
musicologicos: a historia do rock accabou na decada de 1980, ou seja,
teve começo, meio e fim. O resto é reprise e remake. Vamos aos poemas.
Até a proxima, com outros devaneios viajantes!
SONNETTO DO DENOMINADOR COMMUM [1292]
Um punk e um hippie attritam p'ra ver qual
dos dois mais firme lucta e tem seu thema
mais rude e radical contra o Systema
que, em ambos, despertou odio mortal.
O hippie, pacifista e passional,
allega que em maré contraria rema
quem quer, a ferro e fogo, e com extrema
conducta, combatter tão vil rival.
O punk é mais directo: paz e amor
não vingam; "flower power" não floresce,
pois fazem sempre o jogo do oppressor.
Não chegam a consenso. Não esquece
nenhum dos dois, porem: diverge a cor,
mas contra o mesmo Deus se reza a prece.
SONNETTO DA PAZ E DO RANCOR [1396]
Sahidas, em politica, só duas:
a hippie e a punk. Apenas na primeira
reside o pacifismo, o amor, as nuas
verdades e vontades... Mas Zeus queira!
As coisas, na segunda, são mais cruas
e, assim como o rockão é mais pauleira,
tambem as reacções são, pelas ruas,
mais proprias à pedrada, que é certeira!
Em termos philosophicos, no plano
geral e humanitario, eu mais me irmano
aos hippies, pois em armas não confio...
Mas, quando o pessoal e o passional
mais alto fallam, sou ao punk egual
e adjudo a pôr na polvora o pavio...
MOTTES GLOSADOS
Corajoso é quem recua
e o passado recupera.
Teem tambem os Byrds a sua
posição quanto à vanguarda:
Quem advança se accovarda;
corajoso é quem recua.
Não ha moda que destrua
o que "classico" antes era.
Restaural-o não é mera
"tradição", nem "velharia".
Mais innova quem recria
e o passado recupera.
Dar ao rock um dia é tudo
que esse embalo não precisa.
Eu, que os generos estudo,
quattro decadas, só, dou
para a historia desse show.
Dar ao rock um dia? É tudo
formalismo! Fui sortudo,
pois vivi minha pesquisa
do começo ao fim e, à guisa
de resumo, apenas digo:
Nem escrevo extenso artigo,
que esse embalo não precisa.
Nos cincoenta foi dansante,
sobre amor adolescente.
Nos sessenta, descontente
da politica, durante
sua phase mais pensante,
foi lysergico. Anarchiza
nos septenta e tribaliza
nos oitenta. Agora, é mudo.
Dar ao rock um dia é tudo
que esse embalo não precisa.
///
Estadão (si não me enganno, o proprio Emmanuel Bomfim, optimo como
sempre em seu personalissimo estylo "queixo cahido") entrevistava um fan
do Michael Jackson, de cujo nome não me lembro, nem do motivo da
entrevista. Mas o cara parescia saber tudo da vida do Michael, pois
resaltou inclusive o vanguardismo dos videoclips produzidos para as
faixas do album THRILLER, impeccaveis exemplos da arte a serviço do
showbiz. A certa altura, o entrevistado confessou que, si o Michael
acconselhasse seus fans a puxar fumo, elle seria o primeiro a admittir o
uso da maconha, fiel seguidor que era. Fiquei ouvindo, interessado e
curioso pelo que viria a seguir, mas, quando o cara tentou explicar por
que o Michael era "superior" a Stevie Wonder, não pude deixar de rir.
Pensei commigo: a unica vantagem do Jackson sobre o Wonder é que um
sabia dansar e outro não pode. No mais, a comparação é descabida.
Michael Jackson não passa dum astro pop, um mytho midiatico. Suas
canções, deschartado o appello choreographico, são automaticas e
monotonas, ao contrario da consistencia e da variedade do repertorio de
Stevie Wonder, este sim, um expoente do soul e de generos affins. Mal
comparando, seria o mesmo que ouvir dum fan do Chubby Checker que seu
idolo é melhor que Fats Domino, ou dum fan de Andy Kim que este supera
Neil Diamond. Pessoalmente, ouço todos, mas não inverto as posições.
Mas fanatismo é isso mesmo. Qualquer argumento vale como pretexto para
defender a "primazia" dum idolo sobre os idolos alheios. Detalhe: curto
Stevie Wonder, mas elle não é meu maior idolo na praia da negritude
sonora. Prefiro Wilson Pickett. Nenhum dos citados, aliaz, seria
exactamente um idolo do rock. O proprio Elvis Presley, analysado
friamente, tem pequena parcella de seu repertorio verdadeiramente ligada
ao rock. Quanto aos Beatles, admitto: sou beatlemaniaco, mas isso nem é
signal de fanatismo e sim mera attitude padrão, commum a todos que
accompanharam attentamente a historia do rock, que começa cincoentista e
termina oitentista. Fanatismo, propriamente dicto, é curtir bandas
"discipulas" até mais que as matrizes, como os Raspberries, a Electric
Light Orchestra, o Badfinger ou o Tomorrow em relação aos Beatles, ou
mesmo as New York Dolls em relação aos Rolling Stones. Desnecessario
lembrar que as torcidas de Stones e Beatles ja rivalizaram como
corinthianos e sampaulinos.
Citar o Tomorrow vem a proposito, pois é a banda que melhor reflectiu os
Beatles na phase psychodelica, ja que Raspberries ou Badfinger os
reflectem nas phases mais palataveis ao consumidor commum da
beatlemania. E, em se tractando de psychodelismo, ha differenças basicas
entre a eschola britannica e a americana, ja que, nesta, as duas bandas
mais influentes foram os Byrds e o Jefferson Airplane, que deixaram
innumeros grupos "discipulos", alguns incluidos nos historicos volumes
da serie NUGGETS, tão bem revisitada pelos Ramones no album ACID EATERS.
Eu sei, Ramones e Byrds pouco teem em commum, a não ser os ponctos de
contacto entre hippies e punks quanto à contestação do "Systema", mas,
como idéa puxa idéa, approveito para dizer que sou fanatico por ambas as
bandas, cada uma em sua epocha.
Toda esta reflexão tem logar a pretexto do dia 13, mundialmente
consagrado ao rock, genero que foi se desmembrando em tantos subgeneros
tribaes que dá para entender o fundamentalismo quasi cego dum defensor
do Stevie Wonder, do Ray Charles ou mesmo do José Feliciano... Conforme
a preferencia do fan, 13 de julho pode ser anniversario dos Rolling
Stones (1962), lançamento do album de estréa do Queen (1973) ou data do
show "Live Aid" (1985).
Paro, portanto, com a digressão e pinço dois ganchos para os poemas aqui
incluidos: a relativa affinidade entre hippies e punks e a sensibilidade
dos sessentistas para resgatar as raizes, no caso o country rock pelos
Byrds, como suggerem os versos "A little bit of courage, is all we lack.
/ So catch me if you can, I'm goin' back." da canção "Goin' back", faixa
do album THE NOTORIOUS BYRD BROTHERS, que por signal nem foi composta
por elles e sim por Carole King com seu parceiro Jerry Goffin. Fallando
em raizes, finalizo sustentando uma these ja admittida nos meios
musicologicos: a historia do rock accabou na decada de 1980, ou seja,
teve começo, meio e fim. O resto é reprise e remake. Vamos aos poemas.
Até a proxima, com outros devaneios viajantes!
SONNETTO DO DENOMINADOR COMMUM [1292]
Um punk e um hippie attritam p'ra ver qual
dos dois mais firme lucta e tem seu thema
mais rude e radical contra o Systema
que, em ambos, despertou odio mortal.
O hippie, pacifista e passional,
allega que em maré contraria rema
quem quer, a ferro e fogo, e com extrema
conducta, combatter tão vil rival.
O punk é mais directo: paz e amor
não vingam; "flower power" não floresce,
pois fazem sempre o jogo do oppressor.
Não chegam a consenso. Não esquece
nenhum dos dois, porem: diverge a cor,
mas contra o mesmo Deus se reza a prece.
SONNETTO DA PAZ E DO RANCOR [1396]
Sahidas, em politica, só duas:
a hippie e a punk. Apenas na primeira
reside o pacifismo, o amor, as nuas
verdades e vontades... Mas Zeus queira!
As coisas, na segunda, são mais cruas
e, assim como o rockão é mais pauleira,
tambem as reacções são, pelas ruas,
mais proprias à pedrada, que é certeira!
Em termos philosophicos, no plano
geral e humanitario, eu mais me irmano
aos hippies, pois em armas não confio...
Mas, quando o pessoal e o passional
mais alto fallam, sou ao punk egual
e adjudo a pôr na polvora o pavio...
MOTTES GLOSADOS
Corajoso é quem recua
e o passado recupera.
Teem tambem os Byrds a sua
posição quanto à vanguarda:
Quem advança se accovarda;
corajoso é quem recua.
Não ha moda que destrua
o que "classico" antes era.
Restaural-o não é mera
"tradição", nem "velharia".
Mais innova quem recria
e o passado recupera.
Dar ao rock um dia é tudo
que esse embalo não precisa.
Eu, que os generos estudo,
quattro decadas, só, dou
para a historia desse show.
Dar ao rock um dia? É tudo
formalismo! Fui sortudo,
pois vivi minha pesquisa
do começo ao fim e, à guisa
de resumo, apenas digo:
Nem escrevo extenso artigo,
que esse embalo não precisa.
Nos cincoenta foi dansante,
sobre amor adolescente.
Nos sessenta, descontente
da politica, durante
sua phase mais pensante,
foi lysergico. Anarchiza
nos septenta e tribaliza
nos oitenta. Agora, é mudo.
Dar ao rock um dia é tudo
que esse embalo não precisa.
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sábado, 4 de julho de 2015
JUNHO/2015 (SEGUNDA QUINZENA): SI SOU POETA, NÃO ESTOU PROSA
Si, em poesia, muito apprendi com o exemplo inventivo de Augusto de
Campos, na litteratura em geral meu maior mestre ao vivo foi Millor,
que, como Mario de Andrade, pode ser chamado de authentico polygrapho.
Nessa proficua senda intertextual, accabei produzindo contehudos em
varios generos e, depois de ter encerrado (2012) a safra de sonnettos,
finalizei um volume de poemas intitulado MADRIGAES TRAGICOMICOS e, ao
preparar o parodico romance A PLANTA DA DONZELLA para uma reedição
orthographicamente correcta, voltei-me novamente para o terreno da
ficção, opportunidade que se affigurou convidativa no momento em que
recebi proposta para participar de outra daquellas anthologias de contos
que, volta e meia, pautam os cadernos culturaes da imprensa.
A thematica novisecular do conto encommendado motivou-me a planejar um
livro inteiro desses que qualifico de "factoides do terceiro millennio",
a que ja dei o titulo de CONTOS QUANTICOS. Aos meus mais interessados
leitores (que se dão ao trabalho de accompanhar este accanhado blog de
notas) addeanto o conto que abre o futuro livro (e que não é o mesmo
destinado à anthologia), no qual mantenho-me fiel ao estylo dialogico
dos contos "hediondos" de TRIPÉ DO TRIPUDIO. Segue transcripto. Até
julho!
A PARTICULA DO DIABO (para o livro CONTOS QUANTICOS)
- Jururu. Achei o Coutinho meio jururu. Elle não era assim. Na ultima
vez que vi, elle estava corado e sarado, namorando aquella moreninha, a
Mathilde...
- Quanto tempo faz?
- Ah, uns trez, quattro annos...
- Para você ver, meu querido. Foi nesse meio tempo que elle casou com a
propria e, pouco depois, se separou. Minto. A Mathilde é que cahiu fora,
mas ficou com o apê e elle teve que sahir do Copan.
- Eu nem sabia... Mas tanta gente anda pagando mico, deixando casa para
a ex, arcando com a pensão... O Juca, o Aldyr, o Wilson... Até o
Gallego, que era anarchista, entrou em crise existencial... Mas logo se
refizeram. O Coutinho vae sahir dessa.
- Não sei não. Elle me contou umas coisas da Mathilde...
- Ora, cada um siga sua vida! Hoje ninguem mais fica remoendo dor de
corno! Temos que ser mais racionaes, você não acha? Elle que tracte de
esquecer della...
- O peor é que não tem nada a ver com ciume. Ella encasquettou umas
minhocas na cabeça delle antes da separação. Era evangelica, mas de
repente se converteu a uma seita satanica...
- Brincou! Que maluquice! Então elle tinha mais é que dar graças...
- Elle até deu. Até ironizou, disse que tinha exorcizado um encosto...
Mas agora não tem mais sossego. Ficou scismado com as coisas que ella
contava.
- Mas que coisas eram essas?
- Não sei direito. Paresce que ella começou a estudar a Biblia dum jeito
differente. Em vez de Christo, só fallava em Antichristo. A tal seita é
uma egreja de adoradores de Mephistopheles e prega que todas as
prophecias messianicas não vão se concretizar emquanto não for expurgada
do texto biblico uma palavra chave...
- Qual palavra?
- Ahi é que está. Ninguem descobriu ainda, ou pelo menos ninguem
divulgou. Ja existe toda uma corrente de exegetas e hermeneutas
esquadrinhando versiculo por versiculo, mas até agora só pistas
falsas...
- Porra, o Coutinho é um cara esclarescido, um scientista! Elle não é
chymico de formação?
- Agora mais paresce um alchymista... Nem quer saber mais da Mathilde,
mas diz que achou o exemplar da Biblia que ella tinha deixado no meio
dos livros encaixotados, cheio de annotações rabiscadas pelas margens.
Agora só falla nisso, ficou obcecado.
- Nem cheguei a conversar com elle, ainda bem. Não me suggestiono com
essas papagaiadas, você sabe. Elle tambem entrou para a tal seita?
- Diz elle que não, que está estudando por conta propria, pesquisando na
internet, adherindo a umas communidades, mas só virtualmente.
- E você, o que acha? Elle está psychologicamente abballado com a
separação, ou tem outros parafusos soltos?
- Acho que elle está bem lucido. Não me paresce menos consciente que o
Faria, por exemplo. E o Faria, não é fanatico pela theoria da
conspiração? Pois o Coutinho ficou fanatico por essa theoria da
"Particula do Diabo", que rastreia a tal palavra kabbalistica como quem
demandava o Sancto Graal.
- Cada uma! Typo da procura inutil! Onde elles acham que achariam o tal
vocabulo escondido? No Apocalypse? No começo do evangelho de João? Si os
astronomos accreditam num universo, digamos, explodido, não seria numa
passagem mais... kosmica, ou kosmovisionaria, que esse enigma pode ter o
seu... busillis? Que disse disso o Coutinho?
- Não me dei ao trabalho de ficar interrogando. Sinão elle é capaz de
sahir da deprê, mas sae para bombardear a gente com aquella ladainha.
Não, meu querido! Tenho mais o que fazer...
- Você está certo. Melhor não provocar. Elle que se desilluda por si.
Apposto que é tudo fogo de palha. Não demora e elle acha outra Mathilde
e esquece esse negocio de palavra magica.
[...]
- E ahi? Outro dia você achou o Coutinho jururu, mas quem anda exquisito
agora é você mesmo. Que foi? Não me diga que se desentendeu com a
Paulinha!
- Não é isso. Sabe duma coisa? O pessoal joga muita conversa fora e eu
acho melhor ficar calado. Fallam muita abobrinha...
- Que typo de abobrinha?
- Ah, muita fofoca, muita mundanidade. São novidadeiros, não se
approfundam em nada... Prefiro assumptos mais espirituaes.
- Pois eu, ao contrario, curto coisas mais espirituosas e isso não quer
dizer que estou barateando a minha intellectualidade. Não me diga que
você tambem deu para estudar a Biblia.
- Para lhe ser franco, até que tenho estudado, sim. Mas não é o que você
está pensando.
- Eu nem disse o que estou pensando...
- O que interessa é que não tem nada a ver com aquella seita
mephistophelica. A Mathilde e o Coutinho estão por fora. Elles só ficam
viajando nessas traducções do Novo Testamento, essas versões deturpadas,
catholicas ou protestantes. Mas não é por ahi. Descobri que o caminho
está na versão latina, na Vulgata. Quasi ninguem percebeu, mas o
Jeronymo deixou algumas dicas fundamentaes e resolvi seguir essa linha
de pesquisa, que é bem mais segura...
- Caralho! Eu não fazia idéa de que você ia ficar tão contagiado pelo
mysterio dessa diabolica particula! Você sempre se preoccupou com coisas
bem practicas...
- Sim, e continuo me preoccupando! Quer coisa mais practica que o
destino da humanidade? Nossa sobrevivencia está em jogo!
- Não quero offender, meu querido, mas ja superei essa phase de tanta
especulação em torno dum enigma tão elementar...
- Não diga isso! Você é um cara culto, lettrado, escriptor de
respeito... Devia investigar, tambem, a existencia desse verbo
primordial, desse monosyllabo decisivo, desse morphema philosophal...
- Não preciso investigar nada, meu querido. Ja fallei que superei essa
phase.
- Mas por que você diz isso, assim tão desinteressado duma causa
collectiva? Por que tamanho egoismo, tamanha indifferença deante das
questões mais metaphysicas e até mais scientificas? Por que?
- Simples. Porque acho que ja achei a palavra.
- Serio? Está me dizendo que encontrou a Particula do Diabo? Então ja
devia ter me contado! Qual é a palavra? Diga logo!
- Calma. Não posso dizer. Pelo menos não agora. Depois a gente conversa
sobre isso. Estou attrazado, vamos continuar esse pappo outro dia...
- Não! Você está me sacaneando, não está? Me diga pelo menos em que
livro, em que capitulo, em que versiculo... Que typo de palavra... Um
verbo, um substantivo, um adjectivo...
- Não posso, lamento, mas agora não posso.
- Uma preposição... Uma conjuncção... Uma interjeição... Por favor, não
faça isso commigo! Ao menos uma luzinha...
- Meu querido, não me queira mal. Só para que você comprehenda o meu
lado, vou ser bem sincero, porque sei que você está mesmo empenhado
nisso.
- Falle, falle!
- Accontesce que... tambem frequento uma seita, a de Asmodeu, mas tive
que jurar sigillo absoluto. Talvez... Não garanto nada... Talvez eu seja
auctorizado a revelar o segredo. Mas isso eu só vou ficar sabendo no
momento opportuno. Por emquanto você precisa ter paciencia.
- Cara, não accredito! Até você! Só falta alguem me contar que sou o
ultimo a saber!
- Não seria de admirar. Nada do que ouvimos ou vemos é de se admirar.
Pense nisso, meu querido. Pode até ser que, naquella mesa alli, estejam
fofocando, no meio de tantas mundanidades, sobre a nossa palavrinha. Vae
ver que estão repetindo a dicta, sem suspeitar, até que se esvazie
completamente, quem sabe?
- Tudo bem. Mas você promette me dizer, certo?
- Prometto que voltaremos ao assumpto. Agora tenho que ir. Até a
proxima!
- Então até! Ah, deixe a Paulinha saber disso! Ella nem vae accreditar!
///
JUNHO/2015 (PRIMEIRA QUINZENA): ANTIRACISMO E IRRACIONALISMO
Todo mundo sabe que o dia da creança é commemorado em outubro, embora
alguns commerciantes e publicitarios tentem confundir nossas cabeças com
aquella historia de "semana da creança" ou de "mez da creança", com
obvios propositos de prorogar o periodo de vendas dos brinquedos.
O que me deixa injuriado de raiva, mais que a ganancia ou o consumismo,
é o opportunismo de certos politicos, não apenas brazileiros, que, ao
invez de propor que o dia outubrino sirva tambem para a conscientização
geral em relação às creanças desamparadas em quaesquer situações ou
localizações, approveitam o appello humanitario despertado pela
innocencia das victimas para bollar a mais variada gamma de "lembretes".
Por isso é que temos, em junho, um tal de Dia da Creança Victima de
Aggressão, como temos, em maio, o Dia de Combatte ao Abuso de Creanças e
Adolescentes, em julho o dia da creação do Estatuto da Creança e do
Adolescente ou, em novembro, um Dia Mundial das Creanças, a confiar em
tantos almanachs que, ainda por cyma, divergem entre si...
A falta de creatividade é tamanha, que, a pretexto de attrahir as
attenções para algum caso especifico de protecção ou de solidariedade,
os opportunistas baptizam suas idéas com nomes kilometricos, como o tal
do Dia Internacional para a Prevenção da Exploração do Meio Ambiente em
Guerras e Conflictos Armados, em novembro. Não dá raiva? Ora, va ser
prolixo assim na Casa do Caralho, digo, no Endereço Domiciliar do Orgam
Reproductor Masculino! Não bastava dizer "dia ambiental contra a guerra"
ou coisa que o valha? Para que esse penduricalho dos "conflictos
armados"? Alguem pensaria numa guerra de tomates ou de ovos? Tenho a
impressão de que esses genios que decidem sobre taes eventos são
eguaesinhos aos vereadores que nada teem para occupar o tempo excepto
mudar nomes de ruas...
Sendo assim, tambem quero propor algumas datas politicamente correctas e
socialmente necessarias, como gostam de dizer esses populistas
compromettidos com a ethica publica, para não dizer privada, que geraria
a piada prompta. Eu crearia o Dia Internacional da Creança Cega Victima
de Bullying na Eschola ou na Rua em Peripherias Urbanas, puxando a braza
para a minha sardinha, ou o Dia Mundial do Basset Hound Protegido por
Touca nas Orelhas ao Passear na Rua, puxando o sacco da minha raça
canina favorita. Que tal? Alguem ousaria allegar que estou sendo
casuisticamente incorrecto ou cynophilamente elitista? E dahi? Ja cansei
de dizer que, si posso ser chamado de racista, é porque odeio a raça
humana à qual pertenço, ou porque odeio poodles e só gosto de bassês e
dachshunds. Fodam-se os patrulheiros do bommocismo!
Para illustrar o que accabo de arrazoar, excolhi um sonnetto antigo e
uma glosa recente, ao que me despeço malcreadamente com um "Fui!".
PARA O PRECONCEITO RACIAL [sonnetto #2005]
Si alguem me perguntar si sou racista,
respondo: "Com certeza! Odeio poodle,
chihuahua e pekinez! Entra na lista
de affectos só cachorro salsichudo!"
E caso na pergunta alguem insista,
direi que a raça humana, inteira, é tudo
motivo do meu odio, seja "mixta"
ou "pura", branco ou indio botocudo...
Não ha nenhuma "raça superior"!
Qualquer que seja a classe, a cara, a cor,
é tudo a mesma merda: a besta humana!
Dos bichos, não se salva nem o gatto,
que é muito traiçoeiro, desde o ingrato
bichano que abandona uma bichana...
MOTTE GLOSADO
É no Dia da Creança
que voltamos ao passado.
Demagogo não se cansa
de inventar mais uma data
que de algum coitado tracta.
É no "Dia da Creança
Pobre em Risco de Mactança
nos Paizes em Estado
de Guerrilha" que eu, irado,
desabbafo que é "Bem feito!"
É nas horas de despeito
que voltamos ao passado.
///
sábado, 6 de junho de 2015
MAIO/2015: COROA NA CABEÇA, REI NA BARRIGA E PÉ NO SACCO
Depois que o dia da consciencia negra passou a fazer parte do
kalendario, o dia da abolição da escravatura ficou meio desprestigiado,
mas só quero relembrar o 13 de maio para dizer que a Lei Aurea teria
sido o primeiro grande acto da imperatriz Izabel I, caso a republica não
fosse proclamada e continuassemos vivendo no regime monarchico, embora
não se saiba qual das linhas successorias reinaria hoje, si a do filho
mais velho ou a do segundo filho da imperatriz.
Monarchista que sou, como Roberto Piva (que me chamava de Conde Mattoso,
emquanto eu o chamava de Archiduque), ja me vi na obrigação de
justificar minha cor politica quando do plebiscito para a confirmação da
republica ou a restauração da monarchia. Em 1988 escrevi para a revista
A-Z (antiga AROUND) um artigo a respeito, que transcrevo quasi na
integra, devidamente reorthographado.
{Ninguem sabe como está nem como ficará (ou si sobreviverá) o texto da
nova Charta, mas bochicha-se que um artigo nas Disposições Transitorias
estabelesce que em 1993 haverá um plebiscito p'ra ver si o Brazil
continua republica ou volta a ser monarchia. Ora, nada do que foi
incluido no texto constitucional sahiu da cabecinha doidivanas duma só
handorinha (ainda que por traz della, nos bastidores, pudesse estar o
maior lobby de tefepistas, bancos de sangue azul, joalheiros de coroa e
chartorios genealogicos). Tudo que entrou, entrou respaldado em voto.
Mesmo assim, boa parte da imprensa deu risada, a começar pela maior
revista semanal, que gargalhou feito claque do programma do Jô. Tanta
zombaria dá até p'ra desconfiar. Affinal, quem faz pouco caso da idéa tá
esquecendo de proposito que a Hespanha sahiu duma dictadura peor que a
nossa e foi encontrar democracia & prosperidade numa monarchia
hereditaria. Claro que ja tem gente gritando que a realidade hespanhola
nada tem a ver com a brazileira. Mas si fossemos consultar o povão
informalmente, sem suggestional-o com editoriaes ou pronunciamentos em
cadeia, verificariamos que a monarchia tá arraigada no espirito da
massa. Até o distinctivo do Corinthians lembra o brazão imperial...
O povo gosta da idéa de rei, principe, sceptro & throno. Do contrario,
Pelé seria o presidente do futebol, Chico Alves o presidente da voz,
Momo o presidente do carnaval, Bilac o vice-presidente dos poetas
brazileiros, emquanto Chacrinha perguntaria ao auditorio si o calouro
"vae p'ra cadeira ou não vae". Seria uma desmoralização total pros
homenageados. Será que isso significa que a idéa de republica é
desmoralizante? Talvez, pelo menos no Brazil, onde ella suggere
instabilidade, incompetencia, leviandade e complacencia. Em summa, si a
republica ja não inspira confiança e perdeu seu hypothetico vinculo com
a noção de democracia, só haveria um ultimo recurso p'ra remediar toda
essa falta de credibilidade: substituir a republica. Em vez da "velha"
pela "nova", as velhas & novas por algo mais estavel & menos aleatorio.
A monarchia. Não é só na psychologia popular que tal idéa ganha corpo.
Os proprios politicos ja se dispõem a traduzil-a em formulas viaveis.
Tanto que, antes do dispositivo constitucional, houve toda uma
articulação em torno do principio parlamentarista, fachada por traz da
qual se acham muitos monarchistas convictos, embora menos decididos que
aquelles que fundaram um partido monarchista no começo de 1986.
Não sei si o partido tá funccionando, pois não me filiei. O facto é que,
com ou sem partido, sou monarchista por principio, assim como os velhos
& filhos sobreviventes do periodo imperial, mas tambem por uma especie
de nostalgia folklorica, uma curtição que ja deixou de ser kitsch p'ra
virar sophisticação intellectual, ou seja, finesse. Quem me vê como um
cara tarado & debochado pode não accreditar que passei a adolescencia
toda me portando & vestindo como um verdadeiro TFP. Fui tão conservador
que, quando alguns tefepistas me procuraram na faculdade (em pleno
governo Garrastazu) e me convidaram a entrar p'ra casa de Dominus
Plinius, eu respondi que toparia com uma condição: a de que cada um dos
emissarios escrevesse trez palavras numa folha de papel. As palavras
eram "philosophia", "chlorophylla" e "chrysanthemo". Elles não eram tão
bobinhos e sacaram que eu os tava testando. Tentaram entrar na minha e
escreveram "philosophia". Mas nas outras duas se embananaram. Não sabiam
todas as lettras de "chlorophylla" e "chrysanthemo". Ahi foi minha
chance de encerrar o pappo: "Vocês não são tão tradicionalistas. Do
contrario, alem da volta da monarchia defenderiam tambem o uso da
'orthographia etymologica'." E virei as costas. Foi nessa phase
excentrica, de collete & relogio de bolso, que encasquettei uma idéa
ainda mais extravagante: a de ser recebido pelo principe herdeiro da
Coroa brazileira. Meus conhescimentos sobre as instituições imperiaes se
resumiam aos dados historicos e ao texto da constituição de 1824, pela
qual o regime é hereditario por primogenitura masculina. Dizia o artigo
117 que a descendencia de D. Pedro I succederia ao throno "segundo a
ordem regular de primogenitura e representação, preferindo sempre a
linha anterior às posteriores; na mesma linha, o grau mais proximo ao
mais remoto; no mesmo grau, o sexo masculino ao feminino; no mesmo sexo,
a pessoa mais velha à mais moça.". Assim, si a princeza Izabel teve trez
filhos, o mais velho, Pedro de Alcantara, Principe do Grão-Pará, seria o
herdeiro. Como o principe ja morreu, seu filho Pedro Gastão seria o
successor. E D. Pedro Gastão, segundo me disseram, morava em Petropolis,
no palacio Grão-Pará. Não tive duvidas. Escrevi uma charta (em
orthographia antiga, naturalmente) onde me declarava monarchista e, na
maior cara de pau, pedia a Sua Alteza que me hospedasse no palacio. Será
que eu esperava resposta? Si não esperava, veiu. Foi uma recusa, logico,
mas uma recusa com aquella classe, aquella elegancia aristocratica que
só os nascidos em berço de ouro sabem ter. Escripta de proprio punho num
chartão timbrado com o brazão imperial e illustrado com uma gravura de
1870 representando o palacio Izabel (hoje palacio Guanabara, sede do
governo do Rio), dizia a resposta: "Prezado P. José Ferreira da Silva (é
meu nome plebeu, e bem plebeu, por signal, ó desgraça!): Ao voltar de
viagem achei no Grão Pará sua amavel charta. Aggradesço os termos tão
amaveis nella contidos. A Princeza estando ainda na Europa não me é
possivel o hospedar agora. Com meu sincero saudar, Dom Pedro."
Notem a influencia da syntaxe franceza na expressão "o hospedar" em vez
de "hospedal-o". É que Sua Alteza falla mais francez que portuguez, como
legitimo descendente do conde d'Eu, educado na Europa. Chique até dizer
chega, não é, ralé?
Pois é, ganhei um souvenir e satisfiz um capricho que passou,
attropelado por outras preoccupações como a do glaucoma, que exigia
cirurgia e quasi me levou ao suicidio. Depois fiquei sabendo que D.
Pedro Gastão NÃO ERA o legitimo successor da Casa Imperial. A genealogia
tá correcta, mas tinha um detalhe historico que eu desconhescia. O pae
de D. Pedro Gastão, que queria se casar com uma plebéa, teve que
renunciar aos direitos dynasticos, por si e pelos descendentes. Com isso
a linha successoria passou aos descendentes de D. Luiz, o Principe
Perfeito, segundo filho da princeza Izabel. O filho de D. Luiz era D.
Pedro Henrique, que vivia em Vassouras, no interior do Rio, emquanto D.
Pedro Gastão, o residente do palacio Grão-Pará, tinha que deixar a
pretensão ao throno para o primo (actualmente o successor é o filho
deste, D. Luiz de Orleans e Bragança). Deu p'ra entender? Não importa.
Fiquei decepcionado, mas não de todo, pois, como diz o dictado, quem foi
rei sempre tem magestade, ou quem podia ter sido nunca perde o que não
chegou a ter.
Isso colloca uma questão curiosa. Si o plebiscito decidisse pela volta
da monarchia, será que valeria o preceito da constituição de 1824? Si
valesse, a Charta actual teria que ser reformulada. Si não valesse,
nenhuma das linhas rivaes poderia reivindicar o throno, que ficaria sem
dono. A constituição imperial previa a excolha de nova dynastia só para
o caso de extinguir-se a de D. Pedro I. Si isto não vigorasse mais,
qualquer um poderia ser excolhido imperador. Mas excolhido como? Por
eleição directa? Uma dynastia Quadros ou Brizolla? Por via indirecta?
Uma dynastia Sarney, que ja rhyma com rei? Não sei, nem quero saber.
Prefiro elucubrar em cyma de outra questão, a da nobiliarchia. Uma das
coisas mais fascinantes dos regimes monarchicos é a concessão de titulos
honorificos a pessoas de sangue nobre, ja nascidas aristocratas, ou a
plebeus que se destaccam nesta ou naquella actividade e que recebem o
titulo a titulo de premio, digamos assim, por serviços prestados, como
accontesceu com o duque de Caxias e o barão de Mauá. Nas republicas só
existem medalhas de merito militar, commendas e titulos de cidadão
honorario ou doutor honoris causa, mas num imperio o titulo tem mais
charme, porque se incorpora ao proprio nome, podendo até substituil-o.
Poucos sabem o nome civil do barão do Rio Branco ou da marqueza de
Sanctos, mas a figura dos dois é inconfundivel, mesmo porque um era
gordissimo e a outra um thesouro de virtudes. A hierarchia dos titulos é
outra coisa fundamental. Assim como as patentes do exercito formam uma
escadinha de poder & prestigio, os titulos, embora não correspondam mais
ao tamanho do feudo ou latifundio da Edade Media, guardam seu grau de
importancia. O mais baixo é o de barão. Depois vem o visconde, o conde,
o marquez, o duque e o archiduque. Detalhe: o Brazil não teve
archiduques; o maximo que nosso imperio concedeu foi o titulo do duque
de Caxias.}
Reparem que do meu texto transparesce um toque de ironia quando alludo
às elites, justamente porque a revista A-Z circulava em meio ao publico
frequentador das boates e butiques mais caras, comquanto aquelles
"mauricinhos" e aquellas "patricinhas" não tivessem um pingo de sangue
azul.
Nestas ultimas eleições, de 2014, o que me encheram o sacco com
partidarismos petistas e tucanos foi dose. Ainda agora recebo mensagens
circulares diffamando este ou aquelle ex-candidato. Dahi que resolvi
compor a glosa ao motte abbaixo, à qual accrescento um antigo sonnetto,
um madrigal recente, e com a qual mando esses pamphletarios de meia
tigela para o meio do inferno.
PARA UM QUINZE DE NOVEMBRO [sonnetto #1889]
Republica que foi na quartelada
imposta é tão "legitima", de facto,
quanto uma occupação que nos invada
a casa apoz a guerra: é mão de gatto...
De gatto? Si, no roubo, é como o ratto,
os bichos só se egualam, e ja nada
importa si se oppõem no formal tracto,
nem como nos discursa, por si, cada...
Esquerda nem direita: nada adjuda,
si temos de manter a lingua muda,
fingindo que republica ja somos...
De araque é que será a proclamação
daquillo que subjeita uma nação
a ephemeros reinados de reis Momos...
MADRIGAL IMPERIAL
Barão, visconde, conde, marquez, duque...
Um titulo não quero que me encuque.
Barão paresce grande, mas é baixo.
Visconde não é vice que me aggrade
e conde condecora, mas me encaixo
melhor no de marquez, que lembra Sade.
De duque ou de archiduque não me enfaixo
si a faixa não me espelha a crueldade.
MOTTE GLOSADO
Eu no muro nunca fico,
pois do contra sempre sou.
Do tucano odeio o bicco.
Do petista a estrella odeio.
Si me olharem meio feio,
eu no muro nunca fico.
Em Francisco, como em Chico,
meu pau batte e à lucta vou!
Monarchista sendo, dou-
me este rotulo, ao me oppor,
"liberal-conservador",
pois do contra sempre sou!
///
kalendario, o dia da abolição da escravatura ficou meio desprestigiado,
mas só quero relembrar o 13 de maio para dizer que a Lei Aurea teria
sido o primeiro grande acto da imperatriz Izabel I, caso a republica não
fosse proclamada e continuassemos vivendo no regime monarchico, embora
não se saiba qual das linhas successorias reinaria hoje, si a do filho
mais velho ou a do segundo filho da imperatriz.
Monarchista que sou, como Roberto Piva (que me chamava de Conde Mattoso,
emquanto eu o chamava de Archiduque), ja me vi na obrigação de
justificar minha cor politica quando do plebiscito para a confirmação da
republica ou a restauração da monarchia. Em 1988 escrevi para a revista
A-Z (antiga AROUND) um artigo a respeito, que transcrevo quasi na
integra, devidamente reorthographado.
{Ninguem sabe como está nem como ficará (ou si sobreviverá) o texto da
nova Charta, mas bochicha-se que um artigo nas Disposições Transitorias
estabelesce que em 1993 haverá um plebiscito p'ra ver si o Brazil
continua republica ou volta a ser monarchia. Ora, nada do que foi
incluido no texto constitucional sahiu da cabecinha doidivanas duma só
handorinha (ainda que por traz della, nos bastidores, pudesse estar o
maior lobby de tefepistas, bancos de sangue azul, joalheiros de coroa e
chartorios genealogicos). Tudo que entrou, entrou respaldado em voto.
Mesmo assim, boa parte da imprensa deu risada, a começar pela maior
revista semanal, que gargalhou feito claque do programma do Jô. Tanta
zombaria dá até p'ra desconfiar. Affinal, quem faz pouco caso da idéa tá
esquecendo de proposito que a Hespanha sahiu duma dictadura peor que a
nossa e foi encontrar democracia & prosperidade numa monarchia
hereditaria. Claro que ja tem gente gritando que a realidade hespanhola
nada tem a ver com a brazileira. Mas si fossemos consultar o povão
informalmente, sem suggestional-o com editoriaes ou pronunciamentos em
cadeia, verificariamos que a monarchia tá arraigada no espirito da
massa. Até o distinctivo do Corinthians lembra o brazão imperial...
O povo gosta da idéa de rei, principe, sceptro & throno. Do contrario,
Pelé seria o presidente do futebol, Chico Alves o presidente da voz,
Momo o presidente do carnaval, Bilac o vice-presidente dos poetas
brazileiros, emquanto Chacrinha perguntaria ao auditorio si o calouro
"vae p'ra cadeira ou não vae". Seria uma desmoralização total pros
homenageados. Será que isso significa que a idéa de republica é
desmoralizante? Talvez, pelo menos no Brazil, onde ella suggere
instabilidade, incompetencia, leviandade e complacencia. Em summa, si a
republica ja não inspira confiança e perdeu seu hypothetico vinculo com
a noção de democracia, só haveria um ultimo recurso p'ra remediar toda
essa falta de credibilidade: substituir a republica. Em vez da "velha"
pela "nova", as velhas & novas por algo mais estavel & menos aleatorio.
A monarchia. Não é só na psychologia popular que tal idéa ganha corpo.
Os proprios politicos ja se dispõem a traduzil-a em formulas viaveis.
Tanto que, antes do dispositivo constitucional, houve toda uma
articulação em torno do principio parlamentarista, fachada por traz da
qual se acham muitos monarchistas convictos, embora menos decididos que
aquelles que fundaram um partido monarchista no começo de 1986.
Não sei si o partido tá funccionando, pois não me filiei. O facto é que,
com ou sem partido, sou monarchista por principio, assim como os velhos
& filhos sobreviventes do periodo imperial, mas tambem por uma especie
de nostalgia folklorica, uma curtição que ja deixou de ser kitsch p'ra
virar sophisticação intellectual, ou seja, finesse. Quem me vê como um
cara tarado & debochado pode não accreditar que passei a adolescencia
toda me portando & vestindo como um verdadeiro TFP. Fui tão conservador
que, quando alguns tefepistas me procuraram na faculdade (em pleno
governo Garrastazu) e me convidaram a entrar p'ra casa de Dominus
Plinius, eu respondi que toparia com uma condição: a de que cada um dos
emissarios escrevesse trez palavras numa folha de papel. As palavras
eram "philosophia", "chlorophylla" e "chrysanthemo". Elles não eram tão
bobinhos e sacaram que eu os tava testando. Tentaram entrar na minha e
escreveram "philosophia". Mas nas outras duas se embananaram. Não sabiam
todas as lettras de "chlorophylla" e "chrysanthemo". Ahi foi minha
chance de encerrar o pappo: "Vocês não são tão tradicionalistas. Do
contrario, alem da volta da monarchia defenderiam tambem o uso da
'orthographia etymologica'." E virei as costas. Foi nessa phase
excentrica, de collete & relogio de bolso, que encasquettei uma idéa
ainda mais extravagante: a de ser recebido pelo principe herdeiro da
Coroa brazileira. Meus conhescimentos sobre as instituições imperiaes se
resumiam aos dados historicos e ao texto da constituição de 1824, pela
qual o regime é hereditario por primogenitura masculina. Dizia o artigo
117 que a descendencia de D. Pedro I succederia ao throno "segundo a
ordem regular de primogenitura e representação, preferindo sempre a
linha anterior às posteriores; na mesma linha, o grau mais proximo ao
mais remoto; no mesmo grau, o sexo masculino ao feminino; no mesmo sexo,
a pessoa mais velha à mais moça.". Assim, si a princeza Izabel teve trez
filhos, o mais velho, Pedro de Alcantara, Principe do Grão-Pará, seria o
herdeiro. Como o principe ja morreu, seu filho Pedro Gastão seria o
successor. E D. Pedro Gastão, segundo me disseram, morava em Petropolis,
no palacio Grão-Pará. Não tive duvidas. Escrevi uma charta (em
orthographia antiga, naturalmente) onde me declarava monarchista e, na
maior cara de pau, pedia a Sua Alteza que me hospedasse no palacio. Será
que eu esperava resposta? Si não esperava, veiu. Foi uma recusa, logico,
mas uma recusa com aquella classe, aquella elegancia aristocratica que
só os nascidos em berço de ouro sabem ter. Escripta de proprio punho num
chartão timbrado com o brazão imperial e illustrado com uma gravura de
1870 representando o palacio Izabel (hoje palacio Guanabara, sede do
governo do Rio), dizia a resposta: "Prezado P. José Ferreira da Silva (é
meu nome plebeu, e bem plebeu, por signal, ó desgraça!): Ao voltar de
viagem achei no Grão Pará sua amavel charta. Aggradesço os termos tão
amaveis nella contidos. A Princeza estando ainda na Europa não me é
possivel o hospedar agora. Com meu sincero saudar, Dom Pedro."
Notem a influencia da syntaxe franceza na expressão "o hospedar" em vez
de "hospedal-o". É que Sua Alteza falla mais francez que portuguez, como
legitimo descendente do conde d'Eu, educado na Europa. Chique até dizer
chega, não é, ralé?
Pois é, ganhei um souvenir e satisfiz um capricho que passou,
attropelado por outras preoccupações como a do glaucoma, que exigia
cirurgia e quasi me levou ao suicidio. Depois fiquei sabendo que D.
Pedro Gastão NÃO ERA o legitimo successor da Casa Imperial. A genealogia
tá correcta, mas tinha um detalhe historico que eu desconhescia. O pae
de D. Pedro Gastão, que queria se casar com uma plebéa, teve que
renunciar aos direitos dynasticos, por si e pelos descendentes. Com isso
a linha successoria passou aos descendentes de D. Luiz, o Principe
Perfeito, segundo filho da princeza Izabel. O filho de D. Luiz era D.
Pedro Henrique, que vivia em Vassouras, no interior do Rio, emquanto D.
Pedro Gastão, o residente do palacio Grão-Pará, tinha que deixar a
pretensão ao throno para o primo (actualmente o successor é o filho
deste, D. Luiz de Orleans e Bragança). Deu p'ra entender? Não importa.
Fiquei decepcionado, mas não de todo, pois, como diz o dictado, quem foi
rei sempre tem magestade, ou quem podia ter sido nunca perde o que não
chegou a ter.
Isso colloca uma questão curiosa. Si o plebiscito decidisse pela volta
da monarchia, será que valeria o preceito da constituição de 1824? Si
valesse, a Charta actual teria que ser reformulada. Si não valesse,
nenhuma das linhas rivaes poderia reivindicar o throno, que ficaria sem
dono. A constituição imperial previa a excolha de nova dynastia só para
o caso de extinguir-se a de D. Pedro I. Si isto não vigorasse mais,
qualquer um poderia ser excolhido imperador. Mas excolhido como? Por
eleição directa? Uma dynastia Quadros ou Brizolla? Por via indirecta?
Uma dynastia Sarney, que ja rhyma com rei? Não sei, nem quero saber.
Prefiro elucubrar em cyma de outra questão, a da nobiliarchia. Uma das
coisas mais fascinantes dos regimes monarchicos é a concessão de titulos
honorificos a pessoas de sangue nobre, ja nascidas aristocratas, ou a
plebeus que se destaccam nesta ou naquella actividade e que recebem o
titulo a titulo de premio, digamos assim, por serviços prestados, como
accontesceu com o duque de Caxias e o barão de Mauá. Nas republicas só
existem medalhas de merito militar, commendas e titulos de cidadão
honorario ou doutor honoris causa, mas num imperio o titulo tem mais
charme, porque se incorpora ao proprio nome, podendo até substituil-o.
Poucos sabem o nome civil do barão do Rio Branco ou da marqueza de
Sanctos, mas a figura dos dois é inconfundivel, mesmo porque um era
gordissimo e a outra um thesouro de virtudes. A hierarchia dos titulos é
outra coisa fundamental. Assim como as patentes do exercito formam uma
escadinha de poder & prestigio, os titulos, embora não correspondam mais
ao tamanho do feudo ou latifundio da Edade Media, guardam seu grau de
importancia. O mais baixo é o de barão. Depois vem o visconde, o conde,
o marquez, o duque e o archiduque. Detalhe: o Brazil não teve
archiduques; o maximo que nosso imperio concedeu foi o titulo do duque
de Caxias.}
Reparem que do meu texto transparesce um toque de ironia quando alludo
às elites, justamente porque a revista A-Z circulava em meio ao publico
frequentador das boates e butiques mais caras, comquanto aquelles
"mauricinhos" e aquellas "patricinhas" não tivessem um pingo de sangue
azul.
Nestas ultimas eleições, de 2014, o que me encheram o sacco com
partidarismos petistas e tucanos foi dose. Ainda agora recebo mensagens
circulares diffamando este ou aquelle ex-candidato. Dahi que resolvi
compor a glosa ao motte abbaixo, à qual accrescento um antigo sonnetto,
um madrigal recente, e com a qual mando esses pamphletarios de meia
tigela para o meio do inferno.
PARA UM QUINZE DE NOVEMBRO [sonnetto #1889]
Republica que foi na quartelada
imposta é tão "legitima", de facto,
quanto uma occupação que nos invada
a casa apoz a guerra: é mão de gatto...
De gatto? Si, no roubo, é como o ratto,
os bichos só se egualam, e ja nada
importa si se oppõem no formal tracto,
nem como nos discursa, por si, cada...
Esquerda nem direita: nada adjuda,
si temos de manter a lingua muda,
fingindo que republica ja somos...
De araque é que será a proclamação
daquillo que subjeita uma nação
a ephemeros reinados de reis Momos...
MADRIGAL IMPERIAL
Barão, visconde, conde, marquez, duque...
Um titulo não quero que me encuque.
Barão paresce grande, mas é baixo.
Visconde não é vice que me aggrade
e conde condecora, mas me encaixo
melhor no de marquez, que lembra Sade.
De duque ou de archiduque não me enfaixo
si a faixa não me espelha a crueldade.
MOTTE GLOSADO
Eu no muro nunca fico,
pois do contra sempre sou.
Do tucano odeio o bicco.
Do petista a estrella odeio.
Si me olharem meio feio,
eu no muro nunca fico.
Em Francisco, como em Chico,
meu pau batte e à lucta vou!
Monarchista sendo, dou-
me este rotulo, ao me oppor,
"liberal-conservador",
pois do contra sempre sou!
///
sábado, 9 de maio de 2015
ABRIL/2015 (SEGUNDA QUINZENA): O MUNDO MURO CONTRA O MUNDO MOURO
No tempo em que o propheta Mahomé era tambem chamado de Mafoma, os
musulmanos eram tractados pelos christãos como "sarracenos" ou "mouros".
O inimigo islamico, que ja estivera bem proximo, a poncto de occupar a
peninsula iberica, era tão temido que, para perguntarmos si a barra
estava limpa, usavamos a expressão "ver si não ha mouros na costa".
Considerado tão troglodyta quanto o barbaro que vandalizou o imperio
romano, o invasor mahometano, agora chamado de jihadista, continua
identificado com o medievalismo da era das cruzadas, e o mais typico
emblema desse attrazo, aos olhos civilizados e evoluidos do occidente, é
a posição da mulher, que ja teve seu dia internacional a 8 de março e
tem seu dia nacional a 30 de abril, como si a multiplicação de datas
tivesse o condão de abbrandar os historicos effeitos do machismo.
Olhos civilizados? Evoluidos? Bem, do lado de ca do muro, temos essa
impressão. Só que, emquanto nos horrorizamos com o sequestro collectivo
de meninas e adultas (ja que para os radicaes islamicos a edade não faz
differença naquellas que serão escravizadas e prostituidas),
permanescemos brincando de faz-de-conta que as nossas adultas ja não
querem ser tractadas como mulher de malandro e que nossas meninas não
podem seguir tal exemplo, protegidas que estão pelos estatutos
infantojuvenis, tão caros a um moderno estado de direito, e coisa e tal.
Assim como é hypocrita o olhar occidental por cyma do muro
livremundista, é cynico o olhar local de cyma dos olympicos foros da
cidadania em direcção às peripherias contraculturaes. Aqui mesmo em São
Paulo, Brazil, a scena funkeira é exemplo desse fingido repudio ao
comportamento degradante das taes cadellinhas mirins que se vestem e se
appresentam como apprendizes de cachorras do quintal baldio e vadio.
Antes de concluir meu raciocinio, transcrevo uns midiaticos fragmentos
do phraseado politicamente correcto usado pelos cidadãos escandalizados
e, em seguida, accrescento uma das explicitas lettras compostas pelos
"mestrinhos sem ceremonia" especialmente para as cachorrinhas da
communidade. Attentem só!
{O Ministerio Publico de São Paulo abriu nesta quincta-feira um
inquerito para investigação sobre "forte contehudo erotico e de appellos
sexuaes" em musicas e choreographias de creanças e adolescentes musicos.
A cantora de funk conhescida como MC Melody, de oito annos, é um dos
alvos da investigação, que suspeita de "violação ao direito ao respeito
e à dignidade de creanças/adolescentes". [...] Segundo uma das
representações publicadas no inquerito, Mc Melody "canta musicas
obscenas, com alto teor sexual e faz poses extremamente sensuaes, bem
como trabalha como vocalista musical em carreira solo, dirigida por seu
genitor". Alem della, musicas e videoclipes de outros funkeiros-mirins
como MCs Princeza e Plebéa, MC 2K, Mc Bin Laden, Mc Brinquedo e Mc
Pikachu tambem são alvo da investigação do Ministerio Publico paulista.
[...] O caso da MC Melody chegou a ser o assumpto mais procurado por
brazileiros no Google nesta quincta-feira. [...] A menina ja chegou a
ter seu perfil retirado do Facebook apoz denuncias de internautas sobre
"sexualização" - ella apparesce em photos com roupas curtas e
decottadas, dansando em bailes funks e em videos caseiros. O pae de MC
Melody - o tambem funkeiro MC Betinho - tambem é citado pelo inquerito
do Ministerio Publico, que affirma ser "dever da familia, da
communidade, da sociedade em geral e do Poder Publico assegurar, com
absoluta prioridade, a effectivação dos direitos referentes à vida, à
saude, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivencia familiar e communitaria" [...] O pae de MC Melody se defende
argumentando que existiria uma "perseguição ao funk" e que "não obriga
sua filha a fazer nada". "Ella canta e dansa assim porque gosta", disse
MC Betinho. [...] MC Melody, a funkeira de 8 annos que apparesce em
videos com roupas justas, cantando sobre "recalque" e dansando no chão
de uma casa nocturna paulista, alcançou o topo entre os assumptos mais
buscados no Google na ultima quincta-feira (23 de abril). Mas o mesmo
não occorreu com MC Brinquedo, MC Pedrinho e MC Pikachu -
funkeiros-mirins com milhões de seguidores nas redes sociaes, famosos
pelas lettras pornographicas que cantam por ahi. [...] Entretanto, mesmo
com lettras mais pesadas que as de Melody (que não usa palavrões,
referencias a drogas ou sexo explicito), os meninos do funk veem sendo
poupados de criticas. Emquanto o verso mais polemico de Melody diz "para
todas as recalcadas, ahi vae minha resposta, si é bonito ou si é feio,
mas é foda ser gostosa", o refrão mais conhescido de MC Brinquedo (13
annos) affirma: "Tu vae lamber, tu vae dar beijo, tu vae mammar com essa
boquinha de apparelho". MC Pedrinho, 12, é conhescido como desboccado:
"Como é bom transar com a puta profissional. Vem foder no clima quente,
no calor de 30 graus". MC Pikachu, de 15 annos, vae alem: "Estava na
rua, fumando um baseado, chegou a novinha e pediu para dar um trago
(...) Dá a boceta para mim, (dá) o cu e fuma". Alem da erotização
infantil, a differença no tractamento entre funkeiros e funkeiras mirins
leva a uma discussão sobre genero: a sexualização dos meninos é
permittida e a das meninas não?}
DOM DOM DOM [MC Pedrinho]
Dom, dom, dom, dom, dom, dom, dom
Tava aqui no baile, escutando aquelle som
Dom, dom dom, dom dom dom, dom
Adjoelha, se prepara e faz um boquete bom
Vem mammando um, depois mamma outro
Um de cada vez até mammar o bonde todo
Mamma e não resisto, que temptação!
Novinha, tu (novinha, tu) faz um boquete bom
Mamma e não resisto, que temptação!
Novinha, tu (novinha, tu) faz um boquete bom
Dom, dom, dom, dom, dom, dom, dom
A novinha experiente ja nasceu com esse dom
Dom, dom dom, dom, dom, dom, dom
Adjoelha, se prepara e faz um boquete bom
As menina (as menina), ellas não teem frescura
Chupa, chupa e se lambuza
Vae, que isso, nem!
Chupa, chupa e se lambuza
Vae, que isso, nem!
Feita a transcripção, não posso passar sem insistir que, quando a minha
poesia é rotulada de "pervertida" e "perversa" ao exaggerar na
sexualidade e na crueldade, devo argumentar que o sadomasochismo está na
propria malicia humana, ou na maldade humana, a começar pelas partes
mais fraccas, como a creança e a mulher. Para illustrar o que digo,
pincei estes dois sonnettos nos quaes o ultimo tercetto é a falla da
outra pessoa, em resposta à da primeira nas estrophes anteriores. O
primeiro sonnetto allude a uma menina assediada por um adulto pedophilo
e o segundo a um caso veridico do mundo islamico:
SONNETTO PARA UMA OVELHINHA DESGARRADA [2035]
Mas que menina linda! Venha ca!
Aqui, com o tithio! Qual é seu nome?
Cadê sua mamãe? Vae voltar ja?
Não fique preoccupada! Ella não some!
Mamãe lhe dá presentes? Papae dá?
E que mais quer ganhar? Quer bala? Tome!
Alli vendem brinquedos! Vamos la?
Tambem vendem pipoca! Está com fome?
Me dê a mãozinha! Assim! Está com medo?
Tithio não vae morder! Ainda é cedo!
Que tal dar um passeio no meu carro?
"Foi elle, sim, mamãe! Quiz me foder!
Babaca! Accreditou que tem poder
de seducção? Em velho eu não me amarro!"
SONNETTO PARA UMA GAROTA QUE NÃO É DE QATIF [2042]
Que tenho a declarar? Fui sequestrada,
sahindo à rua à noite, por bandidos!
Levaram-me ao seu antro e fui, por cada
um delles, suja, em todos os sentidos!
Foderam-me na bocca! Penetrada
me vi de todo lado! Meus gemidos
inuteis foram sempre, pois que nada
commove esses machões embrutescidos!
Clemencia, meritissimo, eu lhe imploro!
Si saio condemnada deste foro,
coitadas das mulheres estupradas!
"Culpada foi você, que os provocou!
Em nome do Senhor, pois, eu lhe dou
sentença de duzentas chibatadas!"
Ambos os sonnettos foram incluidos numa abrangente anthologia que accaba
de sahir pela editora Hedra, intitulada POESIA VAGINAL: CEM SONNETTOS
SACANAS, dentro da mesma serie "Sexo" que está publicando obras
radicalmente libidinosas, como PERVERSÃO de Robert Stoller e A VENUS DAS
PELLES de Masoch. O volume de sonnettos mattosianos abborda os mais
diversos e transversos angulos do erotismo e da pornographia, cobrindo,
por admostragem, uma producção que vae de 1999 a 2012. Para outros
detalhes sobre o livro, accessem: www.hedra.com.br
Alguns poemas do livro estão em video no youtube:
BOCETEIRO (SONNETTO 309)
https://www.youtube.com/watch?v=QUtbaEhpBe4
O MAIS MASCULO VOCABULO VERNACULO (SONNETTO 3222)
https://www.youtube.com/watch?v=0aRuOqG3uEQ
VOCALICA VOCAÇÃO (SONNETTO 3366)
https://www.youtube.com/watch?v=g_Znoq0yxn8
AUTO PRO MOÇÃO (SONNETTO 3409)
https://www.youtube.com/watch?v=X2dAS5DOllg
CREAÇÃO DA BOCETA (SONNETTO 4464)
https://www.youtube.com/watch?v=ZC0vIGwJMlI
IMPROSTITUCIONALISSIMAMENTE (SONNETTO 4981)
https://www.youtube.com/watch?v=O3Xsqw7tKac
///
ABRIL/2015 (PRIMEIRA QUINZENA): DESSEDENTAMENTO SEM DESSALINIZAÇÃO
O dia mundial da agua (22 de março) deixou de ser mera data symbolica
para se sobresahir às demais commemorações do mez passado, tamanha a
repercussão das noticias sobre a crise hydrica. Em abril a data mais
allusiva ao caso teria de ser, obviamente, o dia do indio, marcado para
19, ja que ninguem deu mais valor às aguas brazileiras que o primitivo
habitante de Pindorama. E quanto aos caras pallidas? E quanto aos
emboabas?
A poesia dos brancos até que tractou bastante das nossas doces reservas,
como não poderia deixar de ser num paiz de correntes amazonicas e
cataractas colossaes. Mas só no ultimo seculo os poetas começaram a
notar que as fontes tenderiam a minguar. Emfim, a ficha demorou a cahir.
Tenho um livro inedito, chamado CRITICA SYLLYRICA, no qual analyso, em
forma de sonnetto, os sonnettos alheios, alguns delles thematizando
nossos rios. Nas admostras, excolhidas a dedo, de Amadeu Amaral
(sonnetto "Rios"), Belmiro Braga (sonnetto "Olhando o rio") e Hermes
Fontes (sonnetto "Rio"), por exemplo, ainda prevalesce aquella imagem
idyllica do caudaloso curso d'agua que evoca sentimentos nobres e
desperta reminiscencias pessoaes. Ja nos meus sonnettos em que replico
aos auctores (respectivamente os de numero 5186, 5193 e 5204), tracto de
desmystificar a scena limpa e de introduzir no debatte as consequencias
da predação humana, traduzida em lixo, exgotto e polluição industrial. A
mesma attitude tomei quando parodiei a canção "Planeta agua", de
Guilherme Arantes (brilhantemente entrevistado por Emmanuel Bomfim na
radio Estadão), no sonnetto "Sobre um planeta mal molhado", que sahiu no
livro CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO, mas agora cabe deslocar o foco a
partir dessa emergencial perspectiva da pura e simples secca, ou da
impura e complexa "crise hydrica", para usar a expressão em voga.
Ja não se tracta de protestar contra uma progressiva transformação da
represa em retrete, do reservatorio em mictorio ou da bacia em... bacia!
Tracta-se de cahir na real e questionar si as aguas dictas "servidas"
ainda serão sufficientes para reutilização minimamente "potavel", ou, em
portuguez claro, si ainda teremos mijo para mactar a sede, ou até
quando. Antes o sal "purificado" da agua do mar dessalinizada que o sal
"urificado" da agua do bar descarregada...
Para não chover no molhado, digo, reclamar da falta de chuva no "volume
morto", deixo a discussão technica para os especialistas e me attenho ao
affan poetico, que é minha praia cada vez mais impropria para banho.
Abbaixo transcrevo o sonnetto parodico para Arantes, um madrigal e umas
glosas ineditas, que entrarão em futuros volumes, ja não mais
parametrados pela forma fixa do sonnetto, e sim da sextilha em
decasyllabo e da decima em redondilha maior. Um urinario brinde a todos!
Saude! Salve! Digo, salve-se quem puder!
SONNETTO SOBRE UM PLANETA MAL MOLHADO [2988]
Agua que a chuva empoça no telhado
e cria o mosquitinho que nos picca...
Agua que, mal brotando la da bicca,
aqui ja chega suja, e a bebe o gado...
Agua fedendo a lodo que, cagado
no corrego, o empesteia e por la fica...
Agua residual de quem fabrica
venenos e agrotoxicos ao lado...
Agua que a gente bebe da torneira,
com cheiro de alga podre e que não serve
siquer para lavar uma lixeira...
Agua que, mesmo quando a gente ferve,
nos sabe a mau sabor, que mal nos cheira,
e irriga, no meu verso, o verme e a verve...
MADRIGAL PLUVIAL
Si chove, allaga tudo e causa o chaos.
Si falta chuva, os niveis estão maus.
Paresce a crise hydrica o dilemma
do seculo: agua molle ou pedra dura?
Concreto ou varzea verde? A gente rema
mais contra a correnteza ou a natura
nos pune com a secca? A pena extrema
será bebermos mijo ou merda pura?
Não falta um palpiteiro que assegura:
exgotto se approveita, si tractado!
Eu fico imaginando: que fartura
de merda! Estamos salvos! Mero dado
visivel e olfactivo é o da tinctura
marron... Quanto ao sabor... será do aggrado!
MOTTES GLOSADOS
Agua agora se raciona
até para tomar banho.
Lavar rola, lavar conna,
só no sabbado, e olhe la!
Como a coisa feia está,
agua agora se raciona.
Ja pensou? Que porcalhona
fica a gente! Nem me accanho
mais si alguem vê monco ou ranho
me excorrendo pela cara!
Que fazer, si a aguinha é rara
até para tomar banho?
Que legal! Vae ser cafona
manter limpa a minha bunda!
Mesmo a rola estando immunda,
agua agora se raciona!
O fedor daquella zona
corporal nada de extranho
mais terá! Pretexto eu ganho
si ter cheiro de gambá
vou, pois agua faltará
até para tomar banho!
Approveite emquanto pode
tomar banho demorado.
Você, caso se incommode
com cocô grudado ao rego,
seu banhinho, no sossego,
approveite emquanto pode!
Ensaboe seu bigode
devagar e, com cuidado,
lave o penis ensebado!
Amanhan, si a ducha secca,
vel-o eu quero, de caneca,
tomar banho demorado!
A vantagem dessa crise
é mais gente com chulé.
Por favor, ninguem me advise
que está secco outro riacho!
Mas, pensando bem, eu acho
a vantagem dessa crise...
Si é meu fracco que me pise
um rapaz que tenha pé
chulepento, torço até
para haver racionamento,
pois, sem agua, o que eu enfrento
é mais gente com chulé...
Mais ninguem pode dizer
de qual agua beberá.
"Desta aqui não vou beber,
nem daquella la, jamais!"
Essas phrases, ou quetaes,
mais ninguem pode dizer.
Todos temos o dever
de poupar agua: não dá
para achar que em nosso cha
não lavou alguem o pé.
Quem mijou ja sabe até
de qual agua beberá.
///
sábado, 11 de abril de 2015
MARÇO/2015: NOMES DE LETTRAS DANDO SOPA DE LETTRINHAS
No idioma inglez cada pessoa tem seu prenome abbreviado, em familia ou
entre amigos, e taes hypocoristicos teem, às vezes, equivalentes em
portuguez. Assim, Elizabeth fica Liz (para nós, Bete) ou, no diminutivo,
Lizzy (para nós, Betinha); Robert fica Bob (Beto) ou Bobby (Betinho);
Joseph fica Joe (Zé) ou Joey (Zezinho); Francis fica Frank (Chico);
Edward fica Ed (Dudu), e assim por deante. Alguns hypocoristicos só
funccionam em inglez mesmo, como Mick para Mickey ou Mike para Michael,
Tom para Thomas ou Tony para Anthony. Por isso o nosso Tom Jobim nada
tinha de americanizado, ao contrario do que accusava o critico José
Ramos Tinhorão. Era apenas uma forma alternativa para Tonho, bem
brazileira, como o Brazileiro que compunha seu nome.
Nossos anthroponymos ja tiveram appellidos mais communs. Joaquim era
sempre Juca ou Quincas. Manuel era Mané. Antonio era Tonho ou Tonico.
Hoje virou bagunça. Alguem pode ser baptizado como Juca mesmo, sem ser
Joaquim. Antes, Carlos Eduardo era Cadu e Carlos Henrique era Caique.
Maria Luiza era Malu e Maria Lucia era Maluca. Agora, o fulano é Cadu ou
Caique e a fulana Malu ou Maluca na propria certidão de nascimento. Isso
para não entrar no terreno dos modismos suppostamente "indigenas", typo
Kauan ou Tayná... Emfim, vale tudo, como attestam os elenchos dos nossos
times de futebol, cheios de Robson, Jobson, Madson, Jadson e quetaes.
Para quem gosta de bollar anagrammas, isso facilita a vida, claro. Um
Retson pode virar Nestor, ou um Aricson virar Narciso, para fugir da
vulgaridade. Na litteratura, o recurso sempre funccionou, como no caso
de America, que virou Iracema. A poesia é terreno propicio a taes
truques verbaes, desde o barroco até o concretismo, e não fiquei immune
à temptação. Feita a digressão, vamos ao gancho chronologico.
Ja evoquei diversas vezes as datas commemorativas da poesia, duas dellas
em março, mas o dia 12, consagrado ao bibliothecario (anniversario do
poeta Bastos Tigre, tambem profissional da area bibliotheconomica),
egualmente me diz respeito, ja que me bacharelei nessa area em 1972,
pela Eschola de Sociologia e Politica de São Paulo, e exerci por breve
tempo o cargo como funccionario do Banco do Brazil no Rio. O dictado
"Casa de ferreiro, espeto de pau" calha bem no meu caso, pois nunca
cataloguei nem classifiquei meus proprios livros para accommodal-os na
estante. Mal e mal os aggrupei por tamanho ou typo de lombada, quando
ainda eram numerosos e volumosos. Hoje quasi que me limito a conservar
os livros de minha auctoria e uns poucos classicos ou obras
referenciaes.
Mas o dictado poderia ser "Casa de Ferreira...", dado que meu sobrenome
remette a uma das difficuldades da profissão, agora attenuada pelo
advento da internet: pesquisar os nomes correctos e completos
(orthonymos) dos auctores fichados. Nesse aspecto, faço mea culpa e
confesso que difficultei o trabalho dos collegas com meus varios
pseudonymos e heteronymos, alem dos cryptonymos, dos cyberonymos e dos
mais hybridos litteronymos. Ultimamente estive occupado com isso e acho
que meia duzia de interessados talvez queiram saber do que tracto.
Antes de assignar como Glauco Mattoso qualquer coisa que parescesse
litteraria, tentei bollar um pseudonymo menos commum que meu nome
proprio, Pedro José Ferreira da Silva. Mesmo que eu graphasse Sylva,
unica differença entre a actual e a antiga orthographia (ou a graphia
ideal que eu queria para a lingua portugueza), o nome continuaria vulgar
demais para o meu gosto. A solução mais temptadora foi crear um
anagramma, ou melhor, excolher entre innumeros anagrammas possiveis para
um orthonymo tão propicio a homonymos.
O primeiro que me occorreu foi José Sylveira da Pedra-Ferro, que daria a
assignatura litteraria José Pedra-Ferro. Só cheguei a usal-o em alguns
ex-libris carimbados nos primeiros volumes da minha bibliotheca, ja que
Glauco Mattoso se impoz desde o primeiro poema, "Kaleidoscopio", em
1974. Concluida a cega safra de sonnettos, que durou de 1999 a 2012, a
idéa de usar aquelle anagramma voltou como alternativa para a
previsibilidade de algo assignado por Glauco Mattoso, tal como uma
collectanea de sonnettos sobre cães das raças basset hound ou dachshund,
intitulada O BATATO E O BERINGELO.
Entrementes, outro anagramma tomou vulto, para a auctoria duma inedita
collectanea de sonnettos e mottes glosados de thematica prophana,
intitulada INCONFESSIONARIO. O heteronymo Padre Feijó viria de Padre
Sade Feijó Serra Virol, a quem attribuo o seguinte motte glosado que
enviei por email a meus contactos:
Deus te abbençoe, meu filho,
e quem te for da familia!
Com meus irmãos compartilho
a sancta graça do Pae
e minha reza aqui vae:
Deus te abbençoe, meu filho!
Mas sempre algum peccadilho
na minha bençam se pilha
e caio em cada armadilha!
Alguma cacophonia
à parte, em mim (Amen!) fia
e quem te for da familia!
Um amigo observou que o verso do fecho é "piada corrente", desattento
para o poncto relevante de que, corrente ou não, o que importa é o
encaixe da idéa no rigido formato da glosa, composta em redondilha maior
accentuada, aqui, na quarta syllaba. Outro detalhe foi que precisei
corrigir a versão corrente, diffundida como "e os que te for da
familia", evidente equivoco grammatical, ja que "os" só concorda com
"forem", o que invalidaria o cacophato. Esclarescido o retoque,
approveito para fallar de outras possibilidades anagrammaticas que
pretendo usar, para maior confusão daquelles gattos pingados que estudam
minha obra ou tentam registral-a, bibliographicamente correcta.
O anagramma Adderval Rijo Freyre Pessoa, abbreviado para Adderval
Pessoa, ficou reservado para as collectaneas cyclicas de sonnettos O
CIRANDEIRO e MINGAU DAS ALMAS, alem da collectanea de decimas A VOLTA DO
GLOSADOR MOTTEJOSO, cuja preparação ganhou folego com o encerramento da
producção sonnetistica.
O anagramma Israel David Jeferre Raposo, abbreviado para David Raposo,
figurará na auctoria das collectaneas cyclicas O LOBO DO HOMEM e
PSYCHOTROPICOS.
O anagramma Vereador Jilder Posse Faria, abbreviado para Vereador Faria,
assignará a collectanea INGOVERNABILIDADE, tambem inedita em livro,
focada em poemas satyricamente politicos.
O anagramma Professor Alê Jadder Vieira, abbreviado para Professor
Vieira, fica para a collectanea INCOMPETITIVIDADE, de sonnettos
futebollisticos.
Ja o heteronymo Sergio Sider forma anagramma com o titulo FEDOR E
PALAVRA dado a outra collectanea de sonnettos e glosas. O anagramma
seria perfeito si eu graphasse "Serjio". O mesmo se dá com o Dr. Serra
Versejo, que forma anagramma com o titulo da collectanea PAEDOPHILIA, e
com o Dr. Josaphé Sylvereda, que forma com o titulo da collectanea
ARREPIO, ou com o Fr. Sereio Jr. com o titulo da collectanea PEROLA
DESVIADA.
Nem sei si todas essas collectaneas sahirão impressas ou si algumas só
existirão em edição virtual, mas fica prompto o projecto, lembrando que,
na pelle de Glauco, ainda tenho muitos outros volumes engavetados.
Accabei deschartando, por emquanto, diversos embaralhamentos mais
comicos, typo Josias Levi Ferrado Pedrera, "Jefe" Salvador Peidorreiras,
Josias Arrafeder "Pedilover", Jofre da Porrada Viles Reyes, Javarry
Pererê Fodido Lessa, Professor Jededia Varrelia, Prof. Elvis Derradeiro
Ajaes ou José Vaddão Ferrari Presley. Assim como o vicio dos creadores
de palindromos se exgotta na forçação de barra, a mania do anagramma
pode redundar em monstrengos onomasticos de effeito meramente ludico.
Por isso parei por ahi.
E ja que exemplifiquei accyma uma glosa do Padre Feijó, cabe addeantar
uma do Vereador Faria, com a qual me despeço até o mez que vem.
Ora, deixa como está
para ver como é que fica!
Em politica, não ha
melhor phrase que defina
o que fica na latrina:
"Ora, deixa como está!"
Quem alli cagou não dá
a descarga, mas dá dica
de que egual acha a titica
ao seu voto, a merda ao motte.
No cagão você que vote
para ver como é que fica!
///
entre amigos, e taes hypocoristicos teem, às vezes, equivalentes em
portuguez. Assim, Elizabeth fica Liz (para nós, Bete) ou, no diminutivo,
Lizzy (para nós, Betinha); Robert fica Bob (Beto) ou Bobby (Betinho);
Joseph fica Joe (Zé) ou Joey (Zezinho); Francis fica Frank (Chico);
Edward fica Ed (Dudu), e assim por deante. Alguns hypocoristicos só
funccionam em inglez mesmo, como Mick para Mickey ou Mike para Michael,
Tom para Thomas ou Tony para Anthony. Por isso o nosso Tom Jobim nada
tinha de americanizado, ao contrario do que accusava o critico José
Ramos Tinhorão. Era apenas uma forma alternativa para Tonho, bem
brazileira, como o Brazileiro que compunha seu nome.
Nossos anthroponymos ja tiveram appellidos mais communs. Joaquim era
sempre Juca ou Quincas. Manuel era Mané. Antonio era Tonho ou Tonico.
Hoje virou bagunça. Alguem pode ser baptizado como Juca mesmo, sem ser
Joaquim. Antes, Carlos Eduardo era Cadu e Carlos Henrique era Caique.
Maria Luiza era Malu e Maria Lucia era Maluca. Agora, o fulano é Cadu ou
Caique e a fulana Malu ou Maluca na propria certidão de nascimento. Isso
para não entrar no terreno dos modismos suppostamente "indigenas", typo
Kauan ou Tayná... Emfim, vale tudo, como attestam os elenchos dos nossos
times de futebol, cheios de Robson, Jobson, Madson, Jadson e quetaes.
Para quem gosta de bollar anagrammas, isso facilita a vida, claro. Um
Retson pode virar Nestor, ou um Aricson virar Narciso, para fugir da
vulgaridade. Na litteratura, o recurso sempre funccionou, como no caso
de America, que virou Iracema. A poesia é terreno propicio a taes
truques verbaes, desde o barroco até o concretismo, e não fiquei immune
à temptação. Feita a digressão, vamos ao gancho chronologico.
Ja evoquei diversas vezes as datas commemorativas da poesia, duas dellas
em março, mas o dia 12, consagrado ao bibliothecario (anniversario do
poeta Bastos Tigre, tambem profissional da area bibliotheconomica),
egualmente me diz respeito, ja que me bacharelei nessa area em 1972,
pela Eschola de Sociologia e Politica de São Paulo, e exerci por breve
tempo o cargo como funccionario do Banco do Brazil no Rio. O dictado
"Casa de ferreiro, espeto de pau" calha bem no meu caso, pois nunca
cataloguei nem classifiquei meus proprios livros para accommodal-os na
estante. Mal e mal os aggrupei por tamanho ou typo de lombada, quando
ainda eram numerosos e volumosos. Hoje quasi que me limito a conservar
os livros de minha auctoria e uns poucos classicos ou obras
referenciaes.
Mas o dictado poderia ser "Casa de Ferreira...", dado que meu sobrenome
remette a uma das difficuldades da profissão, agora attenuada pelo
advento da internet: pesquisar os nomes correctos e completos
(orthonymos) dos auctores fichados. Nesse aspecto, faço mea culpa e
confesso que difficultei o trabalho dos collegas com meus varios
pseudonymos e heteronymos, alem dos cryptonymos, dos cyberonymos e dos
mais hybridos litteronymos. Ultimamente estive occupado com isso e acho
que meia duzia de interessados talvez queiram saber do que tracto.
Antes de assignar como Glauco Mattoso qualquer coisa que parescesse
litteraria, tentei bollar um pseudonymo menos commum que meu nome
proprio, Pedro José Ferreira da Silva. Mesmo que eu graphasse Sylva,
unica differença entre a actual e a antiga orthographia (ou a graphia
ideal que eu queria para a lingua portugueza), o nome continuaria vulgar
demais para o meu gosto. A solução mais temptadora foi crear um
anagramma, ou melhor, excolher entre innumeros anagrammas possiveis para
um orthonymo tão propicio a homonymos.
O primeiro que me occorreu foi José Sylveira da Pedra-Ferro, que daria a
assignatura litteraria José Pedra-Ferro. Só cheguei a usal-o em alguns
ex-libris carimbados nos primeiros volumes da minha bibliotheca, ja que
Glauco Mattoso se impoz desde o primeiro poema, "Kaleidoscopio", em
1974. Concluida a cega safra de sonnettos, que durou de 1999 a 2012, a
idéa de usar aquelle anagramma voltou como alternativa para a
previsibilidade de algo assignado por Glauco Mattoso, tal como uma
collectanea de sonnettos sobre cães das raças basset hound ou dachshund,
intitulada O BATATO E O BERINGELO.
Entrementes, outro anagramma tomou vulto, para a auctoria duma inedita
collectanea de sonnettos e mottes glosados de thematica prophana,
intitulada INCONFESSIONARIO. O heteronymo Padre Feijó viria de Padre
Sade Feijó Serra Virol, a quem attribuo o seguinte motte glosado que
enviei por email a meus contactos:
Deus te abbençoe, meu filho,
e quem te for da familia!
Com meus irmãos compartilho
a sancta graça do Pae
e minha reza aqui vae:
Deus te abbençoe, meu filho!
Mas sempre algum peccadilho
na minha bençam se pilha
e caio em cada armadilha!
Alguma cacophonia
à parte, em mim (Amen!) fia
e quem te for da familia!
Um amigo observou que o verso do fecho é "piada corrente", desattento
para o poncto relevante de que, corrente ou não, o que importa é o
encaixe da idéa no rigido formato da glosa, composta em redondilha maior
accentuada, aqui, na quarta syllaba. Outro detalhe foi que precisei
corrigir a versão corrente, diffundida como "e os que te for da
familia", evidente equivoco grammatical, ja que "os" só concorda com
"forem", o que invalidaria o cacophato. Esclarescido o retoque,
approveito para fallar de outras possibilidades anagrammaticas que
pretendo usar, para maior confusão daquelles gattos pingados que estudam
minha obra ou tentam registral-a, bibliographicamente correcta.
O anagramma Adderval Rijo Freyre Pessoa, abbreviado para Adderval
Pessoa, ficou reservado para as collectaneas cyclicas de sonnettos O
CIRANDEIRO e MINGAU DAS ALMAS, alem da collectanea de decimas A VOLTA DO
GLOSADOR MOTTEJOSO, cuja preparação ganhou folego com o encerramento da
producção sonnetistica.
O anagramma Israel David Jeferre Raposo, abbreviado para David Raposo,
figurará na auctoria das collectaneas cyclicas O LOBO DO HOMEM e
PSYCHOTROPICOS.
O anagramma Vereador Jilder Posse Faria, abbreviado para Vereador Faria,
assignará a collectanea INGOVERNABILIDADE, tambem inedita em livro,
focada em poemas satyricamente politicos.
O anagramma Professor Alê Jadder Vieira, abbreviado para Professor
Vieira, fica para a collectanea INCOMPETITIVIDADE, de sonnettos
futebollisticos.
Ja o heteronymo Sergio Sider forma anagramma com o titulo FEDOR E
PALAVRA dado a outra collectanea de sonnettos e glosas. O anagramma
seria perfeito si eu graphasse "Serjio". O mesmo se dá com o Dr. Serra
Versejo, que forma anagramma com o titulo da collectanea PAEDOPHILIA, e
com o Dr. Josaphé Sylvereda, que forma com o titulo da collectanea
ARREPIO, ou com o Fr. Sereio Jr. com o titulo da collectanea PEROLA
DESVIADA.
Nem sei si todas essas collectaneas sahirão impressas ou si algumas só
existirão em edição virtual, mas fica prompto o projecto, lembrando que,
na pelle de Glauco, ainda tenho muitos outros volumes engavetados.
Accabei deschartando, por emquanto, diversos embaralhamentos mais
comicos, typo Josias Levi Ferrado Pedrera, "Jefe" Salvador Peidorreiras,
Josias Arrafeder "Pedilover", Jofre da Porrada Viles Reyes, Javarry
Pererê Fodido Lessa, Professor Jededia Varrelia, Prof. Elvis Derradeiro
Ajaes ou José Vaddão Ferrari Presley. Assim como o vicio dos creadores
de palindromos se exgotta na forçação de barra, a mania do anagramma
pode redundar em monstrengos onomasticos de effeito meramente ludico.
Por isso parei por ahi.
E ja que exemplifiquei accyma uma glosa do Padre Feijó, cabe addeantar
uma do Vereador Faria, com a qual me despeço até o mez que vem.
Ora, deixa como está
para ver como é que fica!
Em politica, não ha
melhor phrase que defina
o que fica na latrina:
"Ora, deixa como está!"
Quem alli cagou não dá
a descarga, mas dá dica
de que egual acha a titica
ao seu voto, a merda ao motte.
No cagão você que vote
para ver como é que fica!
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