sábado, 10 de janeiro de 2015
SEPTEMBRO/2014: AME-O OU QUEIXE-SE
Uma das resoluções que tomei durante a mais recente e grave crise
pulmonar foi parar com tudo que se refira a litteratura no sentido de
convivio social e de exposição midiatica. A unica excepção, em termos de
collaboração virtual, será esta columna no espaço que a amicissima Leila
me mantem aberto desde sempre. Dicto isto, e feita a resalva de que
minha orthographia ja está sufficientemente justificada e explicada no
blog ETYMOGRAPHIA, passo ao thema do mez.
Dentre as commemorações de septembro, a que mais me instiga é o dia do
edoso, mas vou deixar para abbordal-o no anno que vem, quando estaremos
mais velhos. Agora a effervescencia politica me induz a abbordar as
fataes patriotadas, ou antipatriotadas, dependendo do poncto de vista.
Innumeras vezes tenho ouvido commentarios de brazileiros que torcem
contra o Brazil nas coppas, sob a allegação de que, si a selecção é a
patria de chuteiras, meresce ser derrotada, para que, cahida a ficha, o
povão se conscientize das mazellas politicas, sociaes e economicas
mascaradas pelas illusões esportivas. Accrescentam alguns que os
norte-americanos, esses sim, teem motivos para sentir orgulho, bem como
os europeus, e por ahi vae. Intellectualmente fallando, muito ja se
theorizou sobre os dois extremos da brazilidade, que oscillam do
ufanismo demagogico ao complexo de viralatta e que pendem para la ou
para ca na balança conforme nosso exito ou fracasso no unico poncto em
que seriamos os melhores do mundo, o futebol. Carnaval não conta porque
não é disputado internacionalmente nem tem sede na Suissa.
Mas por que repiso taes chavões? Não, não é por causa da mais recente
derrota no campo da bolla. Occorre-me que até hoje não conhesci um poeta
brazileiro que tenha synthetizado seu antipatriotismo de forma cabal e
definitiva. Poetas patriotas os temos às pencas de bananas, desde
Gonçalves Dias e Castro Alves até Cazuza e Renato Russo, ainda que os
idealistas mais recentes e contraculturaes tenham sido menos douradores
de pillula que os romanticos. Comtudo, não vejo entre nós ninguem que
haja renegado sua nacionalidade tão radicalmente como o portuguez Jorge
de Sena, com quem mais me identifico daquelle lado do Atlantico. O
sonnetto que fiz para elle em 2009 foi parodia de seu poema "O desejado
tumulo" (1970) e vae no proximo capitulo, mas agora quero compartilhar
com meus leitores o poema que elle fez a seu paiz e que ainda não
consegui paraphrasear em termos tupyniquins, apesar dos eventuaes
libellos que destillei. Copio a seguir os versos de Sena e depois sigo
commentando.
A PORTUGAL [Jorge de Sena]
Esta é a dictosa patria minha amada. Não.
Nem é dictosa, porque o não meresce.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem patria minha, porque eu não meresço
A pouca sorte de nascido nella.
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arrocto de passadas glorias.
Amigos meus mais caros tenho nella,
saudosamente nella, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.
Torpe dejecto de romano imperio;
babugem de invasões; salsugem porca
de exgotto atlantico; irrisoria face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorancia;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funccionarios e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença occulta;
terra de heroes a peso de ouro e sangue,
e sanctos com balcão de seccos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de affaveis para os extrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assigna a merda o seu anonymato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentaes
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, seccas
como esses sentimentos de oito seculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguem, ninguem, ninguem:
eu te pertenço.
És cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não.
Bem, para começo de conversa, si eu quizesse definir este Pindorama como
Sena definiu sua Occidental Praia, devia ter cahido fora como fez elle.
Si não o fiz, independentemente dos motivos pelos quaes não consegui
deixar o Brazil, não foi porque o amasse, como quizeram os militares do
periodo dictatorial, mas, dizia eu, si não o fiz, não me julgo apto a
repudial-o tão vehementemente como nos versos accyma, comquanto os
endosse, mutatis mutandis. Não obstante, perpetrei minha glosa, e
prompto. Considero-me minimamente desembuchado. Até a proxima,
compatriotas!
MOTTE:
Eu te odeio, tu me odeias,
mas, por seres meu, sou teu.
GLOSA:
Das bellezas que acho feias
és paiz e eu, filho, auctor
do que feio achas compor:
eu te odeio, tu me odeias.
Si teu sangue em minhas veias
corre e é menos europeu,
teu jeitinho ja me deu
sobrevida como cego.
Sou-te um fardo e eu te carrego,
mas, por seres meu, sou teu.
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