sábado, 10 de janeiro de 2015

INAUGURANDO "ASSUMPTOS ACTUAES"



ASSUMPTOS ACTUAES é um blog creado exclusivamente para archivar as
chronicas assignadas por Glauco Mattoso na columna EPHEMERDAS do portal
litterario www.blocosonline.com.br editado por Leila Miccolis. A partir
de septembro de 2014, os textos mensaes serão transcriptos para o blog,
no mez seguinte ao da publicação em EPHEMERDAS.


Glauco Mattoso é poeta, auctor de mais de cinco mil sonnettos.
Actualmente não compõe mais nesse molde, mas ainda practica outras
estrophações. Para informações sobre a orthographia que adopta e sobre
sua obra, suggere-se accessar:


http://correctororthographico.blogspot.com.br
www.facebook.com/glauco.mattoso.9
www.youtube.com/user/gatinhocachorro
www.youtube.com/channel/UCZlUwC8U3EPadvBpozQkb-g?feature=watch

DEZEMBRO/2014: ANTHRO/POP/HAGIA


Oswald de Andrade pode, sim, ter sido feliz ao conceber um bello
pretexto para a nossa dependencia cultural das influencias extrangeiras,
ou seja, bem bollou esse cannibalismo carnavalesco que combina com a
caricatura indigenista dos tropicos. No plano litterario, tal
anthropophagia (resumida no lapidar trocadilho de "Tupy or not tupy,
that is the question") funccionou a contento para os padrões (ou
antipadrões) modernistas. Mas, no plano musical, a verdadeira
"devoração" rhythmica e thematica da diversidade alienigena foi feita,
mesmo, nos States e, por extensão, na canção pop (sobretudo rockeira) de
lingua ingleza. Aqui não tenho espaço para theorizações que exigiriam
volumosas theses, mas parto do presupposto de que tem sido no rock (e em
seus generos parallelos) e não no cancioneiro brazileiro que as mais
variadas tendencias dansantes vão se fundindo numa unica e eclectica
digestão junkie. De passagem, recordo outra polemica: ha quem diga que o
jazz seria o unico genero musical genuinamente americano, emquanto
outros salientam que é justamente no jazz que se processam as fusões
mais tendentes a uma supposta "musica mundial". Prefiro me atter ao
rock.


Pela proximidade geographica, é natural que a musica latino-americana,
sobretudo a caribenha, tenha sido a principal fonte da cannibalização
rockeira. Nem fallo de casos ponctuaes como os de "La Bamba"
transformada em "Twist and shout" ou de "Babalu" transformada em
"Papa-oom-mow-mow". Basta lembrar os casos mais genericos, como o da
rumba estylizada por Bo Diddley ou do cha-cha-cha estylizado pelas
innumeras bandas que regravaram "Louie Louie" a partir da historica
faixa do grupo Richard Berry and The Pharoahs (sim, Pharoahs, não
confundir com os Pharaohs do Sam the Sham).


No caso do ska jamaicano, que, tanto quanto o reggae, tem parentesco com
rhythmos caribenhos (como o calypso) e que fructificou mais amplamente
no ambiente britannico, são pioneiros os exemplos que ponctuaram nas
paradas internacionaes ja nos idos sessentistas, como "My boy Lollipop"
pela Millie Small ou "Baby come back" pelos Equals. É sobre um desses
popskas que fallo hoje, por ser o mais marginal e ostracizado: "Shame
and scandal in the family", gravado em 1965 por Lance Percival e Shawn
Elliot, com posteriores regravações que vão de Peter Tosh a Trini Lopez,
passando pelos Stylistics. No Brazil a faixa mais tocada foi a de
Elliot, que deu origem à pueril versão de Renato e seus Blue Caps,
adequada aos nossos tempos de censura dictatorial, cujo refrão era
"Conhesci um cappeta em forma de guri". Passada aquella phase de
successo, a canção foi "archivada" na scena, emquanto muitos
desinformados acham que o mais pioneiro popska seria "Ob-la-di,
ob-la-da" dos Beatles.


Fiquemos, porem, com a incestuosa e adultera lettra original de
"Scandal", que tambem soffreu variantes em alguns versos. Aqui vae ella,
com seus erroneos colloquialismos de inglez, typicos dos suburbios
terceiro-mundistas, como "don't know" em vez de "doesn't". Tracta-se
duma anecdota magistralmente adaptada a versos cantaveis, na qual um
joven quer a permissão do pae para se casar, mas, para cada garota que
namora, o pae responde que não, porque "ella é tua irman mas tua mãe não
sabe". Quando o rapaz, envergonhado, resolve abrir o jogo com a mãe,
esta contraria a expectativa e acha graça, respondendo: "Vae em frente,
garoto! Teu pae não é teu pae mas teu pae não sabe!".



SHAME AND SCANDAL IN THE FAMILY [Brown/Donaldson]


Woe is me
Shame and scandal in the family


In Trinidad there was a family
With much confusion as you will see
It was a mama and a papa and a boy who was grown
He wanted to marry, have a wife of his own
Found a young girl that suited him nice
Went to his papa to ask his advice
His papa said: "Son, I have to say no,
This girl is your sister, but your mama don't know"


Oh, woe is me
Shame and scandal in the family


A week went by and the summer came 'round
Soon the best cook in the island he found
He went to his papa to name the day
His papa shook his head and to him did say
"You Can't marry this girl, I have to say no
This girl is your sister, but your mama don't know"


Oh, woe is me
Shame and scandal in the family


He went to his mama and covered his head
And told his mama what his papa had said
His mama she laughed, she say, "Go man, go
Your daddy ain't your daddy, but your daddy don't know."


Oh, woe is me
Shame and scandal in the family



Ja que a maxima celebração de dezembro gyra em torno da familia christan
e, por extensão, de todas as familias harmonicamente constituidas, cabe
ao poeta maldicto assignalar o incommodo facto de que nem todas as
familias se enquadram nessa utopica cellula da convivencia humana. De
minha parte, illustro os desadjustes com dois sonnettos, o primeiro dos
quaes tirado da serie "Minhas cirandinhas", e desejo a todos, adjustados
e desadjustados, um festivo final de anno.



MINHAS CIRANDINHAS (VII) [3497]


Como somos gente fina,
damos neste lupanar.
Nosso cu, papae ensigna,
volta e meia vamos dar.


Não se afflija, não, menina,
porque o boi vem nos pegar!
Elle paga uma propina
que não dá p'ra recusar!


Quem quizer pedophilia
que se accerte com tithia
e converse com mamãe!


Não queremos (Né, maninha?)
que quem, fora, se apporrinha
pague caro e, aqui, se accanhe!



PARA UMA FAMILIA UNIDA [2613]


Si "vice is nice, incest is best", à risca
seguiu aquelle austriaco o dictado
inglez! Pois, com a filha, o pae tarado
tivera filhos-netos! Boa bisca!


Um cara que a ser pego nem se arrisca
mantendo num porão o sequestrado
netinho, que da mãe repousa ao lado
na cama, é verosimil? Me bellisca!


Incrivel! Vou morrer e não vi tudo!
Depois ainda fallam que o ceguinho
inventa muita coisa, é linguarudo...


No escandalo a seguir, até adivinho
o caso: irmão e irman teem surdo-mudo
rebento, e um cego a avó com seu sobrinho!



///

NOVEMBRO/2014: PHALLO FALLADO, CALÃO CONSENTIDO


Dois themas novembrinos (Ou novembreiros? Ou novembrescos? Ou
novembristas? Ou novembrosos? Ou novembrudos? Ou novembrados? Que lingua
abundante e carente, esta nossa!) que ja me suscitaram desabbafos são as
datas para finados e diabetes, mas, por coincidencia, accabo de abbordar
taes topicos na chronica do mez passado. Fico então com a sempre
opportuna commemoração que, neste ou naquelle almanach, consta da agenda
do dia 5, o dia nacional da lingua portugueza, vigente desde 2006 e
allusivo ao anniversario de Ruy Barbosa.


Vem a proposito esse enfoque brazileiro sobre a matriz lusa, pois, como
é consensual, o poema mais definitivo thematizando o nosso idioma não é
de Camões, nem de Bocage, nem de Quental, nem de Pessoa, mas sim de
Bilac, o paradigma parnasiano do perfeccionismo, com o civismo incluso
no pacote. Poucos sabem que, alem do sonnetto à lingua portugueza, Bilac
compoz um para a musica brazileira, que, por ser anterior ao proprio
samba, nem de longe synthetiza a riqueza e a diversidade do cancioneiro
tupyniquim nas decadas de trinta em deante.


Como todo classico, Bilac foi bastante parodiado, principalmente no
sonnetto "Ouvir estrellas", mas ninguem ousou brincar com algo tão
petreo como a lingua nativa. Mesmo que brincassem, não ultrapassariam os
limites do humor innocente que se verifica na maioria das parodias. Foi
ahi que entrei e resolvi bagunçar um pouco esse coretto. A parodia que
compuz foi elaborada durante um laboratorio na Casa das Rosas, em 2005,
dentro da officina que ministrei sob o titulo "O verso fescennino: curto
e fino". Posteriormente, inclui aquella satyra como exemplo do genero no
TRACTADO DE VERSIFICAÇÃO que sahiu em livro e foi contehudo digital na
decada passada.


Claro que não reivindico primazia alguma, pois Gregorio ou Bocage
provavelmente se me teriam antecipado (no que se metteriam
galhardamente), caso Bilac não lhes fosse postero. Apenas assumo meu
radicalismo chulo, sem o qual o procedimento parodico não teria, para
mim, a graça desbragada que, fora dos parametros esthetico-philologicos,
o portuguez offeresce aos desboccados e sonega aos puristas e puritanos.
Isto dicto, seguem-se o original bilaquiano e minha leitura
pornographica.



LINGUA PORTUGUEZA [Olavo Bilac]


Ultima flor do Lacio, inculta e bella,
És, a um tempo, exsplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...


Amo-te assim, desconhescida e obscura.
Tuba de alto clangor, lyra singella,
Que tens o trom e o silvo da procella,
E o arrolo da saudade e da ternura!


Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,


Em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exilio amargo,
O genio sem ventura e o amor sem brilho!



LINGUA PUTANHEIRA [sonnetto 1012]


A lingua deflorada, puta bella,
a um tempo é despudor e compostura.
Menina virgem, sim, porem impura:
tem cabacinho mas caralhos fella.


Quero-te assim, cu doce e picca dura,
caricia, acto de amor, curra barrela,
que tens o dom e o vicio da donzella
e o ardor da crueldade e da tortura!


Amo teus bardos, anjos de Sodoma,
bastardos de olho vivo e de anus largo!
Amo-te, ó grosso e doloroso idioma,


em que o Pae me chamou "da puta filho"
e em que eu choro a cegueira e canto o encargo
de usar-te a lamber botas, dando um brilho!



///

OUTUBRO/2014: O JAZIGO AO DESABRIGO E O MAUSOLÉU AO LÉU


Quasi cahi no obvio quando, entre os eventos de outubro, achei o dia
mundial da visão. Claro que eu ja tenho poema prompto sobre o thema,
mas, como attravesso mais uma crise pulmonar e a cegueira completa vinte
annos em breve, deixo a visão para o anno que vem e me detenho no medo
mais immediato da morte, suscitado por tanta tosse e tanta febre. Dahi
que vem a calhar a allusão funeraria que agora abbordo.


No mez passado fiquei devendo o poema de Jorge de Sena que parodiei no
sonnetto abbaixo e aqui resgato a pendencia. Depois commento.



SONNETTO PARA OS RESTOS DE JORGE DE SENA [3083]


No tumulo em que Sena está sepulto
quer elle que o moleque toque bronha,
que o namorado de castigo ponha
a moça, alli estuprada sem indulto.


Que o puto chucro e que o malandro estulto
alli forniquem sem siquer vergonha.
Que alli se beba e fume até maconha.
Que o satanista faça alli seu culto.


Mais pede Sena aos vivos: que a creança
vadia nessa pedra deite o mijo,
zombando de quem nunca alli descansa.


Com elle estou de accordo! Eu proprio exijo
na lapide que deixem, de lembrança
gravando, a sola suja e o phallo rijo!



O DESEJADO TUMULO [Jorge de Sena]


Numa azinhaga escura de arrabalde
haveis de sepultar-me. Que o meu tumulo
seja o logar excuso para encontros.
Que o joven desesperado e solitario
vagueando venha masturbar-se alli;
que o namorado sem um quarto aonde
leve ao castigo a namorada, a traga
e a force e a viole sobre a minha tumba;
que o invertido venha adjoelhar-se
à beira della ante quem esperma vende,
ou deite abbaixo as calças e se entregue,
as mãos buscando appoio nessa pedra.
Que bandos de malandros alli tragam
a rapariga que raptaram, e
a deixem la extendida a excorrer sangue.
Que as prostitutas reles, piolhosas,
na lage pinguem corrimentos quando
a pobres velhos se venderem la.
E que as creanças que brincando venham
jogar à minha volta, sem pisar nos canthos
a trampa mais cheirosa do que a morte
e que à memoria humana de azinhagas,
alli descubram, mal adivinhando,
as nodoas seccas do que foi violencia,
ou foi desejo ou o que se chama vicio
e as lavem rindo com seu mijo quente
a rechinar na pedra que me cobre
(e regressem um dia a repetil-as).



Bem, a primeira reflexão suscitada por esses epitaphios poeticos é a de
que são todos menos desejados que ensejados e menos terminaes que
terminologicos. No intimo ninguem quer antever a propria lapide. Ja
escutei o fallecido Ariano Suassuna dizendo que a unica forma de vencer
a morte é a arte e que o homem não nasceu para morrer e sim para a
immortalidade, pois a obra sobrevive ao auctor. Porem, como dizia Nelson
Cavaquinho, "Mas, depois que o tempo passar, sei que ninguem vae se
lembrar que eu fui embora. Por isso é que eu penso assim: si alguem
quizer fazer por mim, que faça agora."


Tenho pensado nisso emquanto, entre uma crise e outra de bronchite, me
tracto duma prostatite e, surprehendido por alta dosagem de assucar na
urina e no sangue, sou diagnosticado como diabetico e forçado a uma
rigorosa dieta accompanhada de perpetuos medicamentos. Nada consolador
para quem ja perdeu a visão, hem? E que dizer do dialogo mais recente
entre mim e meu medico? Vejam só:


- Seu Pedro, o ultimo exame confirma alguma queda nos numeros, mas elles
ainda estão bem accyma do normal... Vamos ver no proximo si a queda se
mantem.


- Doutor, tomara mesmo que o tractamento esteja dando resultado, porque
todo esse sacrificio tem que valer a pena, né?


- Bem, si o senhor continuar se cuidando tem boa perspectiva na
qualidade de vida. Sua edade é 64, não?


- Meia trez. Quantas decadas ainda o senhor me daria?


- Uma, na melhor das hypotheses. Ja não está bom para o senhor? Leve na
esportiva, seu Pedro, ha, ha, ha!


- Só uma? Mas por que, doutor?


- Essa é a exspectativa de vida do brazileiro hoje. Isso si o senhor
estiver medicado e responder ao tractamento.


- Puxa! Então sejamos optimistas, né?


- Claro, seu Pedro! Pensamento positivo! É só não relaxar na dieta nem
se esquecer dos remedios, e o senhor tem grande chance de...


- De comer bollo no proximo anniversario?


- Ha, ha, ha! Boa piada, seu Pedro!


- De voltar a comer pizza?


- Magina! Chance de não ter que amputar o pé! Pizza, nem pensar! Pizza e
diabetes não cabem na mesma phrase!


- Claro, claro, doutor! Nada como uma boa noticia dessas! Quem sabe
daqui a dez mezes eu possa ter dez kilos a menos e dez annos a mais, né?


- Isso, seu Pedro! De grão em grão, integral se come o pão, como diria
minha collega nutricionista, ha, ha, ha! Passar bem, seu Pedro!


Minha nossa, penso eu. Ainda tenho que ouvir isso... Dos males, o menor.
Antes depender da metformina que da morphina, oh, triste signa que me
azucrina... Mas isto eu não disse ao medico, para evitar maiores
gargalhadas.


///

SEPTEMBRO/2014: AME-O OU QUEIXE-SE


Uma das resoluções que tomei durante a mais recente e grave crise
pulmonar foi parar com tudo que se refira a litteratura no sentido de
convivio social e de exposição midiatica. A unica excepção, em termos de
collaboração virtual, será esta columna no espaço que a amicissima Leila
me mantem aberto desde sempre. Dicto isto, e feita a resalva de que
minha orthographia ja está sufficientemente justificada e explicada no
blog ETYMOGRAPHIA, passo ao thema do mez.


Dentre as commemorações de septembro, a que mais me instiga é o dia do
edoso, mas vou deixar para abbordal-o no anno que vem, quando estaremos
mais velhos. Agora a effervescencia politica me induz a abbordar as
fataes patriotadas, ou antipatriotadas, dependendo do poncto de vista.


Innumeras vezes tenho ouvido commentarios de brazileiros que torcem
contra o Brazil nas coppas, sob a allegação de que, si a selecção é a
patria de chuteiras, meresce ser derrotada, para que, cahida a ficha, o
povão se conscientize das mazellas politicas, sociaes e economicas
mascaradas pelas illusões esportivas. Accrescentam alguns que os
norte-americanos, esses sim, teem motivos para sentir orgulho, bem como
os europeus, e por ahi vae. Intellectualmente fallando, muito ja se
theorizou sobre os dois extremos da brazilidade, que oscillam do
ufanismo demagogico ao complexo de viralatta e que pendem para la ou
para ca na balança conforme nosso exito ou fracasso no unico poncto em
que seriamos os melhores do mundo, o futebol. Carnaval não conta porque
não é disputado internacionalmente nem tem sede na Suissa.


Mas por que repiso taes chavões? Não, não é por causa da mais recente
derrota no campo da bolla. Occorre-me que até hoje não conhesci um poeta
brazileiro que tenha synthetizado seu antipatriotismo de forma cabal e
definitiva. Poetas patriotas os temos às pencas de bananas, desde
Gonçalves Dias e Castro Alves até Cazuza e Renato Russo, ainda que os
idealistas mais recentes e contraculturaes tenham sido menos douradores
de pillula que os romanticos. Comtudo, não vejo entre nós ninguem que
haja renegado sua nacionalidade tão radicalmente como o portuguez Jorge
de Sena, com quem mais me identifico daquelle lado do Atlantico. O
sonnetto que fiz para elle em 2009 foi parodia de seu poema "O desejado
tumulo" (1970) e vae no proximo capitulo, mas agora quero compartilhar
com meus leitores o poema que elle fez a seu paiz e que ainda não
consegui paraphrasear em termos tupyniquins, apesar dos eventuaes
libellos que destillei. Copio a seguir os versos de Sena e depois sigo
commentando.



A PORTUGAL [Jorge de Sena]


Esta é a dictosa patria minha amada. Não.
Nem é dictosa, porque o não meresce.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem patria minha, porque eu não meresço
A pouca sorte de nascido nella.


Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arrocto de passadas glorias.
Amigos meus mais caros tenho nella,
saudosamente nella, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.


Torpe dejecto de romano imperio;
babugem de invasões; salsugem porca
de exgotto atlantico; irrisoria face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorancia;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funccionarios e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença occulta;
terra de heroes a peso de ouro e sangue,
e sanctos com balcão de seccos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de affaveis para os extrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assigna a merda o seu anonymato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentaes
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, seccas
como esses sentimentos de oito seculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguem, ninguem, ninguem:
eu te pertenço.
És cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não.



Bem, para começo de conversa, si eu quizesse definir este Pindorama como
Sena definiu sua Occidental Praia, devia ter cahido fora como fez elle.
Si não o fiz, independentemente dos motivos pelos quaes não consegui
deixar o Brazil, não foi porque o amasse, como quizeram os militares do
periodo dictatorial, mas, dizia eu, si não o fiz, não me julgo apto a
repudial-o tão vehementemente como nos versos accyma, comquanto os
endosse, mutatis mutandis. Não obstante, perpetrei minha glosa, e
prompto. Considero-me minimamente desembuchado. Até a proxima,
compatriotas!



MOTTE:


Eu te odeio, tu me odeias,
mas, por seres meu, sou teu.



GLOSA:


Das bellezas que acho feias
és paiz e eu, filho, auctor
do que feio achas compor:
eu te odeio, tu me odeias.
Si teu sangue em minhas veias
corre e é menos europeu,
teu jeitinho ja me deu
sobrevida como cego.
Sou-te um fardo e eu te carrego,
mas, por seres meu, sou teu.


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