Oswald de Andrade pode, sim, ter sido feliz ao conceber um bello
pretexto para a nossa dependencia cultural das influencias extrangeiras,
ou seja, bem bollou esse cannibalismo carnavalesco que combina com a
caricatura indigenista dos tropicos. No plano litterario, tal
anthropophagia (resumida no lapidar trocadilho de "Tupy or not tupy,
that is the question") funccionou a contento para os padrões (ou
antipadrões) modernistas. Mas, no plano musical, a verdadeira
"devoração" rhythmica e thematica da diversidade alienigena foi feita,
mesmo, nos States e, por extensão, na canção pop (sobretudo rockeira) de
lingua ingleza. Aqui não tenho espaço para theorizações que exigiriam
volumosas theses, mas parto do presupposto de que tem sido no rock (e em
seus generos parallelos) e não no cancioneiro brazileiro que as mais
variadas tendencias dansantes vão se fundindo numa unica e eclectica
digestão junkie. De passagem, recordo outra polemica: ha quem diga que o
jazz seria o unico genero musical genuinamente americano, emquanto
outros salientam que é justamente no jazz que se processam as fusões
mais tendentes a uma supposta "musica mundial". Prefiro me atter ao
rock.
Pela proximidade geographica, é natural que a musica latino-americana,
sobretudo a caribenha, tenha sido a principal fonte da cannibalização
rockeira. Nem fallo de casos ponctuaes como os de "La Bamba"
transformada em "Twist and shout" ou de "Babalu" transformada em
"Papa-oom-mow-mow". Basta lembrar os casos mais genericos, como o da
rumba estylizada por Bo Diddley ou do cha-cha-cha estylizado pelas
innumeras bandas que regravaram "Louie Louie" a partir da historica
faixa do grupo Richard Berry and The Pharoahs (sim, Pharoahs, não
confundir com os Pharaohs do Sam the Sham).
No caso do ska jamaicano, que, tanto quanto o reggae, tem parentesco com
rhythmos caribenhos (como o calypso) e que fructificou mais amplamente
no ambiente britannico, são pioneiros os exemplos que ponctuaram nas
paradas internacionaes ja nos idos sessentistas, como "My boy Lollipop"
pela Millie Small ou "Baby come back" pelos Equals. É sobre um desses
popskas que fallo hoje, por ser o mais marginal e ostracizado: "Shame
and scandal in the family", gravado em 1965 por Lance Percival e Shawn
Elliot, com posteriores regravações que vão de Peter Tosh a Trini Lopez,
passando pelos Stylistics. No Brazil a faixa mais tocada foi a de
Elliot, que deu origem à pueril versão de Renato e seus Blue Caps,
adequada aos nossos tempos de censura dictatorial, cujo refrão era
"Conhesci um cappeta em forma de guri". Passada aquella phase de
successo, a canção foi "archivada" na scena, emquanto muitos
desinformados acham que o mais pioneiro popska seria "Ob-la-di,
ob-la-da" dos Beatles.
Fiquemos, porem, com a incestuosa e adultera lettra original de
"Scandal", que tambem soffreu variantes em alguns versos. Aqui vae ella,
com seus erroneos colloquialismos de inglez, typicos dos suburbios
terceiro-mundistas, como "don't know" em vez de "doesn't". Tracta-se
duma anecdota magistralmente adaptada a versos cantaveis, na qual um
joven quer a permissão do pae para se casar, mas, para cada garota que
namora, o pae responde que não, porque "ella é tua irman mas tua mãe não
sabe". Quando o rapaz, envergonhado, resolve abrir o jogo com a mãe,
esta contraria a expectativa e acha graça, respondendo: "Vae em frente,
garoto! Teu pae não é teu pae mas teu pae não sabe!".
SHAME AND SCANDAL IN THE FAMILY [Brown/Donaldson]
Woe is me
Shame and scandal in the family
In Trinidad there was a family
With much confusion as you will see
It was a mama and a papa and a boy who was grown
He wanted to marry, have a wife of his own
Found a young girl that suited him nice
Went to his papa to ask his advice
His papa said: "Son, I have to say no,
This girl is your sister, but your mama don't know"
Oh, woe is me
Shame and scandal in the family
A week went by and the summer came 'round
Soon the best cook in the island he found
He went to his papa to name the day
His papa shook his head and to him did say
"You Can't marry this girl, I have to say no
This girl is your sister, but your mama don't know"
Oh, woe is me
Shame and scandal in the family
He went to his mama and covered his head
And told his mama what his papa had said
His mama she laughed, she say, "Go man, go
Your daddy ain't your daddy, but your daddy don't know."
Oh, woe is me
Shame and scandal in the family
Ja que a maxima celebração de dezembro gyra em torno da familia christan
e, por extensão, de todas as familias harmonicamente constituidas, cabe
ao poeta maldicto assignalar o incommodo facto de que nem todas as
familias se enquadram nessa utopica cellula da convivencia humana. De
minha parte, illustro os desadjustes com dois sonnettos, o primeiro dos
quaes tirado da serie "Minhas cirandinhas", e desejo a todos, adjustados
e desadjustados, um festivo final de anno.
MINHAS CIRANDINHAS (VII) [3497]
Como somos gente fina,
damos neste lupanar.
Nosso cu, papae ensigna,
volta e meia vamos dar.
Não se afflija, não, menina,
porque o boi vem nos pegar!
Elle paga uma propina
que não dá p'ra recusar!
Quem quizer pedophilia
que se accerte com tithia
e converse com mamãe!
Não queremos (Né, maninha?)
que quem, fora, se apporrinha
pague caro e, aqui, se accanhe!
PARA UMA FAMILIA UNIDA [2613]
Si "vice is nice, incest is best", à risca
seguiu aquelle austriaco o dictado
inglez! Pois, com a filha, o pae tarado
tivera filhos-netos! Boa bisca!
Um cara que a ser pego nem se arrisca
mantendo num porão o sequestrado
netinho, que da mãe repousa ao lado
na cama, é verosimil? Me bellisca!
Incrivel! Vou morrer e não vi tudo!
Depois ainda fallam que o ceguinho
inventa muita coisa, é linguarudo...
No escandalo a seguir, até adivinho
o caso: irmão e irman teem surdo-mudo
rebento, e um cego a avó com seu sobrinho!
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