sábado, 4 de julho de 2015
JUNHO/2015 (SEGUNDA QUINZENA): SI SOU POETA, NÃO ESTOU PROSA
Si, em poesia, muito apprendi com o exemplo inventivo de Augusto de
Campos, na litteratura em geral meu maior mestre ao vivo foi Millor,
que, como Mario de Andrade, pode ser chamado de authentico polygrapho.
Nessa proficua senda intertextual, accabei produzindo contehudos em
varios generos e, depois de ter encerrado (2012) a safra de sonnettos,
finalizei um volume de poemas intitulado MADRIGAES TRAGICOMICOS e, ao
preparar o parodico romance A PLANTA DA DONZELLA para uma reedição
orthographicamente correcta, voltei-me novamente para o terreno da
ficção, opportunidade que se affigurou convidativa no momento em que
recebi proposta para participar de outra daquellas anthologias de contos
que, volta e meia, pautam os cadernos culturaes da imprensa.
A thematica novisecular do conto encommendado motivou-me a planejar um
livro inteiro desses que qualifico de "factoides do terceiro millennio",
a que ja dei o titulo de CONTOS QUANTICOS. Aos meus mais interessados
leitores (que se dão ao trabalho de accompanhar este accanhado blog de
notas) addeanto o conto que abre o futuro livro (e que não é o mesmo
destinado à anthologia), no qual mantenho-me fiel ao estylo dialogico
dos contos "hediondos" de TRIPÉ DO TRIPUDIO. Segue transcripto. Até
julho!
A PARTICULA DO DIABO (para o livro CONTOS QUANTICOS)
- Jururu. Achei o Coutinho meio jururu. Elle não era assim. Na ultima
vez que vi, elle estava corado e sarado, namorando aquella moreninha, a
Mathilde...
- Quanto tempo faz?
- Ah, uns trez, quattro annos...
- Para você ver, meu querido. Foi nesse meio tempo que elle casou com a
propria e, pouco depois, se separou. Minto. A Mathilde é que cahiu fora,
mas ficou com o apê e elle teve que sahir do Copan.
- Eu nem sabia... Mas tanta gente anda pagando mico, deixando casa para
a ex, arcando com a pensão... O Juca, o Aldyr, o Wilson... Até o
Gallego, que era anarchista, entrou em crise existencial... Mas logo se
refizeram. O Coutinho vae sahir dessa.
- Não sei não. Elle me contou umas coisas da Mathilde...
- Ora, cada um siga sua vida! Hoje ninguem mais fica remoendo dor de
corno! Temos que ser mais racionaes, você não acha? Elle que tracte de
esquecer della...
- O peor é que não tem nada a ver com ciume. Ella encasquettou umas
minhocas na cabeça delle antes da separação. Era evangelica, mas de
repente se converteu a uma seita satanica...
- Brincou! Que maluquice! Então elle tinha mais é que dar graças...
- Elle até deu. Até ironizou, disse que tinha exorcizado um encosto...
Mas agora não tem mais sossego. Ficou scismado com as coisas que ella
contava.
- Mas que coisas eram essas?
- Não sei direito. Paresce que ella começou a estudar a Biblia dum jeito
differente. Em vez de Christo, só fallava em Antichristo. A tal seita é
uma egreja de adoradores de Mephistopheles e prega que todas as
prophecias messianicas não vão se concretizar emquanto não for expurgada
do texto biblico uma palavra chave...
- Qual palavra?
- Ahi é que está. Ninguem descobriu ainda, ou pelo menos ninguem
divulgou. Ja existe toda uma corrente de exegetas e hermeneutas
esquadrinhando versiculo por versiculo, mas até agora só pistas
falsas...
- Porra, o Coutinho é um cara esclarescido, um scientista! Elle não é
chymico de formação?
- Agora mais paresce um alchymista... Nem quer saber mais da Mathilde,
mas diz que achou o exemplar da Biblia que ella tinha deixado no meio
dos livros encaixotados, cheio de annotações rabiscadas pelas margens.
Agora só falla nisso, ficou obcecado.
- Nem cheguei a conversar com elle, ainda bem. Não me suggestiono com
essas papagaiadas, você sabe. Elle tambem entrou para a tal seita?
- Diz elle que não, que está estudando por conta propria, pesquisando na
internet, adherindo a umas communidades, mas só virtualmente.
- E você, o que acha? Elle está psychologicamente abballado com a
separação, ou tem outros parafusos soltos?
- Acho que elle está bem lucido. Não me paresce menos consciente que o
Faria, por exemplo. E o Faria, não é fanatico pela theoria da
conspiração? Pois o Coutinho ficou fanatico por essa theoria da
"Particula do Diabo", que rastreia a tal palavra kabbalistica como quem
demandava o Sancto Graal.
- Cada uma! Typo da procura inutil! Onde elles acham que achariam o tal
vocabulo escondido? No Apocalypse? No começo do evangelho de João? Si os
astronomos accreditam num universo, digamos, explodido, não seria numa
passagem mais... kosmica, ou kosmovisionaria, que esse enigma pode ter o
seu... busillis? Que disse disso o Coutinho?
- Não me dei ao trabalho de ficar interrogando. Sinão elle é capaz de
sahir da deprê, mas sae para bombardear a gente com aquella ladainha.
Não, meu querido! Tenho mais o que fazer...
- Você está certo. Melhor não provocar. Elle que se desilluda por si.
Apposto que é tudo fogo de palha. Não demora e elle acha outra Mathilde
e esquece esse negocio de palavra magica.
[...]
- E ahi? Outro dia você achou o Coutinho jururu, mas quem anda exquisito
agora é você mesmo. Que foi? Não me diga que se desentendeu com a
Paulinha!
- Não é isso. Sabe duma coisa? O pessoal joga muita conversa fora e eu
acho melhor ficar calado. Fallam muita abobrinha...
- Que typo de abobrinha?
- Ah, muita fofoca, muita mundanidade. São novidadeiros, não se
approfundam em nada... Prefiro assumptos mais espirituaes.
- Pois eu, ao contrario, curto coisas mais espirituosas e isso não quer
dizer que estou barateando a minha intellectualidade. Não me diga que
você tambem deu para estudar a Biblia.
- Para lhe ser franco, até que tenho estudado, sim. Mas não é o que você
está pensando.
- Eu nem disse o que estou pensando...
- O que interessa é que não tem nada a ver com aquella seita
mephistophelica. A Mathilde e o Coutinho estão por fora. Elles só ficam
viajando nessas traducções do Novo Testamento, essas versões deturpadas,
catholicas ou protestantes. Mas não é por ahi. Descobri que o caminho
está na versão latina, na Vulgata. Quasi ninguem percebeu, mas o
Jeronymo deixou algumas dicas fundamentaes e resolvi seguir essa linha
de pesquisa, que é bem mais segura...
- Caralho! Eu não fazia idéa de que você ia ficar tão contagiado pelo
mysterio dessa diabolica particula! Você sempre se preoccupou com coisas
bem practicas...
- Sim, e continuo me preoccupando! Quer coisa mais practica que o
destino da humanidade? Nossa sobrevivencia está em jogo!
- Não quero offender, meu querido, mas ja superei essa phase de tanta
especulação em torno dum enigma tão elementar...
- Não diga isso! Você é um cara culto, lettrado, escriptor de
respeito... Devia investigar, tambem, a existencia desse verbo
primordial, desse monosyllabo decisivo, desse morphema philosophal...
- Não preciso investigar nada, meu querido. Ja fallei que superei essa
phase.
- Mas por que você diz isso, assim tão desinteressado duma causa
collectiva? Por que tamanho egoismo, tamanha indifferença deante das
questões mais metaphysicas e até mais scientificas? Por que?
- Simples. Porque acho que ja achei a palavra.
- Serio? Está me dizendo que encontrou a Particula do Diabo? Então ja
devia ter me contado! Qual é a palavra? Diga logo!
- Calma. Não posso dizer. Pelo menos não agora. Depois a gente conversa
sobre isso. Estou attrazado, vamos continuar esse pappo outro dia...
- Não! Você está me sacaneando, não está? Me diga pelo menos em que
livro, em que capitulo, em que versiculo... Que typo de palavra... Um
verbo, um substantivo, um adjectivo...
- Não posso, lamento, mas agora não posso.
- Uma preposição... Uma conjuncção... Uma interjeição... Por favor, não
faça isso commigo! Ao menos uma luzinha...
- Meu querido, não me queira mal. Só para que você comprehenda o meu
lado, vou ser bem sincero, porque sei que você está mesmo empenhado
nisso.
- Falle, falle!
- Accontesce que... tambem frequento uma seita, a de Asmodeu, mas tive
que jurar sigillo absoluto. Talvez... Não garanto nada... Talvez eu seja
auctorizado a revelar o segredo. Mas isso eu só vou ficar sabendo no
momento opportuno. Por emquanto você precisa ter paciencia.
- Cara, não accredito! Até você! Só falta alguem me contar que sou o
ultimo a saber!
- Não seria de admirar. Nada do que ouvimos ou vemos é de se admirar.
Pense nisso, meu querido. Pode até ser que, naquella mesa alli, estejam
fofocando, no meio de tantas mundanidades, sobre a nossa palavrinha. Vae
ver que estão repetindo a dicta, sem suspeitar, até que se esvazie
completamente, quem sabe?
- Tudo bem. Mas você promette me dizer, certo?
- Prometto que voltaremos ao assumpto. Agora tenho que ir. Até a
proxima!
- Então até! Ah, deixe a Paulinha saber disso! Ella nem vae accreditar!
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JUNHO/2015 (PRIMEIRA QUINZENA): ANTIRACISMO E IRRACIONALISMO
Todo mundo sabe que o dia da creança é commemorado em outubro, embora
alguns commerciantes e publicitarios tentem confundir nossas cabeças com
aquella historia de "semana da creança" ou de "mez da creança", com
obvios propositos de prorogar o periodo de vendas dos brinquedos.
O que me deixa injuriado de raiva, mais que a ganancia ou o consumismo,
é o opportunismo de certos politicos, não apenas brazileiros, que, ao
invez de propor que o dia outubrino sirva tambem para a conscientização
geral em relação às creanças desamparadas em quaesquer situações ou
localizações, approveitam o appello humanitario despertado pela
innocencia das victimas para bollar a mais variada gamma de "lembretes".
Por isso é que temos, em junho, um tal de Dia da Creança Victima de
Aggressão, como temos, em maio, o Dia de Combatte ao Abuso de Creanças e
Adolescentes, em julho o dia da creação do Estatuto da Creança e do
Adolescente ou, em novembro, um Dia Mundial das Creanças, a confiar em
tantos almanachs que, ainda por cyma, divergem entre si...
A falta de creatividade é tamanha, que, a pretexto de attrahir as
attenções para algum caso especifico de protecção ou de solidariedade,
os opportunistas baptizam suas idéas com nomes kilometricos, como o tal
do Dia Internacional para a Prevenção da Exploração do Meio Ambiente em
Guerras e Conflictos Armados, em novembro. Não dá raiva? Ora, va ser
prolixo assim na Casa do Caralho, digo, no Endereço Domiciliar do Orgam
Reproductor Masculino! Não bastava dizer "dia ambiental contra a guerra"
ou coisa que o valha? Para que esse penduricalho dos "conflictos
armados"? Alguem pensaria numa guerra de tomates ou de ovos? Tenho a
impressão de que esses genios que decidem sobre taes eventos são
eguaesinhos aos vereadores que nada teem para occupar o tempo excepto
mudar nomes de ruas...
Sendo assim, tambem quero propor algumas datas politicamente correctas e
socialmente necessarias, como gostam de dizer esses populistas
compromettidos com a ethica publica, para não dizer privada, que geraria
a piada prompta. Eu crearia o Dia Internacional da Creança Cega Victima
de Bullying na Eschola ou na Rua em Peripherias Urbanas, puxando a braza
para a minha sardinha, ou o Dia Mundial do Basset Hound Protegido por
Touca nas Orelhas ao Passear na Rua, puxando o sacco da minha raça
canina favorita. Que tal? Alguem ousaria allegar que estou sendo
casuisticamente incorrecto ou cynophilamente elitista? E dahi? Ja cansei
de dizer que, si posso ser chamado de racista, é porque odeio a raça
humana à qual pertenço, ou porque odeio poodles e só gosto de bassês e
dachshunds. Fodam-se os patrulheiros do bommocismo!
Para illustrar o que accabo de arrazoar, excolhi um sonnetto antigo e
uma glosa recente, ao que me despeço malcreadamente com um "Fui!".
PARA O PRECONCEITO RACIAL [sonnetto #2005]
Si alguem me perguntar si sou racista,
respondo: "Com certeza! Odeio poodle,
chihuahua e pekinez! Entra na lista
de affectos só cachorro salsichudo!"
E caso na pergunta alguem insista,
direi que a raça humana, inteira, é tudo
motivo do meu odio, seja "mixta"
ou "pura", branco ou indio botocudo...
Não ha nenhuma "raça superior"!
Qualquer que seja a classe, a cara, a cor,
é tudo a mesma merda: a besta humana!
Dos bichos, não se salva nem o gatto,
que é muito traiçoeiro, desde o ingrato
bichano que abandona uma bichana...
MOTTE GLOSADO
É no Dia da Creança
que voltamos ao passado.
Demagogo não se cansa
de inventar mais uma data
que de algum coitado tracta.
É no "Dia da Creança
Pobre em Risco de Mactança
nos Paizes em Estado
de Guerrilha" que eu, irado,
desabbafo que é "Bem feito!"
É nas horas de despeito
que voltamos ao passado.
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