sábado, 9 de maio de 2015

ABRIL/2015 (SEGUNDA QUINZENA): O MUNDO MURO CONTRA O MUNDO MOURO


No tempo em que o propheta Mahomé era tambem chamado de Mafoma, os
musulmanos eram tractados pelos christãos como "sarracenos" ou "mouros".
O inimigo islamico, que ja estivera bem proximo, a poncto de occupar a
peninsula iberica, era tão temido que, para perguntarmos si a barra
estava limpa, usavamos a expressão "ver si não ha mouros na costa".

Considerado tão troglodyta quanto o barbaro que vandalizou o imperio
romano, o invasor mahometano, agora chamado de jihadista, continua
identificado com o medievalismo da era das cruzadas, e o mais typico
emblema desse attrazo, aos olhos civilizados e evoluidos do occidente, é
a posição da mulher, que ja teve seu dia internacional a 8 de março e
tem seu dia nacional a 30 de abril, como si a multiplicação de datas
tivesse o condão de abbrandar os historicos effeitos do machismo.

Olhos civilizados? Evoluidos? Bem, do lado de ca do muro, temos essa
impressão. Só que, emquanto nos horrorizamos com o sequestro collectivo
de meninas e adultas (ja que para os radicaes islamicos a edade não faz
differença naquellas que serão escravizadas e prostituidas),
permanescemos brincando de faz-de-conta que as nossas adultas ja não
querem ser tractadas como mulher de malandro e que nossas meninas não
podem seguir tal exemplo, protegidas que estão pelos estatutos
infantojuvenis, tão caros a um moderno estado de direito, e coisa e tal.

Assim como é hypocrita o olhar occidental por cyma do muro
livremundista, é cynico o olhar local de cyma dos olympicos foros da
cidadania em direcção às peripherias contraculturaes. Aqui mesmo em São
Paulo, Brazil, a scena funkeira é exemplo desse fingido repudio ao
comportamento degradante das taes cadellinhas mirins que se vestem e se
appresentam como apprendizes de cachorras do quintal baldio e vadio.
Antes de concluir meu raciocinio, transcrevo uns midiaticos fragmentos
do phraseado politicamente correcto usado pelos cidadãos escandalizados
e, em seguida, accrescento uma das explicitas lettras compostas pelos
"mestrinhos sem ceremonia" especialmente para as cachorrinhas da
communidade. Attentem só!

{O Ministerio Publico de São Paulo abriu nesta quincta-feira um
inquerito para investigação sobre "forte contehudo erotico e de appellos
sexuaes" em musicas e choreographias de creanças e adolescentes musicos.
A cantora de funk conhescida como MC Melody, de oito annos, é um dos
alvos da investigação, que suspeita de "violação ao direito ao respeito
e à dignidade de creanças/adolescentes". [...] Segundo uma das
representações publicadas no inquerito, Mc Melody "canta musicas
obscenas, com alto teor sexual e faz poses extremamente sensuaes, bem
como trabalha como vocalista musical em carreira solo, dirigida por seu
genitor". Alem della, musicas e videoclipes de outros funkeiros-mirins
como MCs Princeza e Plebéa, MC 2K, Mc Bin Laden, Mc Brinquedo e Mc
Pikachu tambem são alvo da investigação do Ministerio Publico paulista.
[...] O caso da MC Melody chegou a ser o assumpto mais procurado por
brazileiros no Google nesta quincta-feira. [...] A menina ja chegou a
ter seu perfil retirado do Facebook apoz denuncias de internautas sobre
"sexualização" - ella apparesce em photos com roupas curtas e
decottadas, dansando em bailes funks e em videos caseiros. O pae de MC
Melody - o tambem funkeiro MC Betinho - tambem é citado pelo inquerito
do Ministerio Publico, que affirma ser "dever da familia, da
communidade, da sociedade em geral e do Poder Publico assegurar, com
absoluta prioridade, a effectivação dos direitos referentes à vida, à
saude, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivencia familiar e communitaria" [...] O pae de MC Melody se defende
argumentando que existiria uma "perseguição ao funk" e que "não obriga
sua filha a fazer nada". "Ella canta e dansa assim porque gosta", disse
MC Betinho. [...] MC Melody, a funkeira de 8 annos que apparesce em
videos com roupas justas, cantando sobre "recalque" e dansando no chão
de uma casa nocturna paulista, alcançou o topo entre os assumptos mais
buscados no Google na ultima quincta-feira (23 de abril). Mas o mesmo
não occorreu com MC Brinquedo, MC Pedrinho e MC Pikachu -
funkeiros-mirins com milhões de seguidores nas redes sociaes, famosos
pelas lettras pornographicas que cantam por ahi. [...] Entretanto, mesmo
com lettras mais pesadas que as de Melody (que não usa palavrões,
referencias a drogas ou sexo explicito), os meninos do funk veem sendo
poupados de criticas. Emquanto o verso mais polemico de Melody diz "para
todas as recalcadas, ahi vae minha resposta, si é bonito ou si é feio,
mas é foda ser gostosa", o refrão mais conhescido de MC Brinquedo (13
annos) affirma: "Tu vae lamber, tu vae dar beijo, tu vae mammar com essa
boquinha de apparelho". MC Pedrinho, 12, é conhescido como desboccado:
"Como é bom transar com a puta profissional. Vem foder no clima quente,
no calor de 30 graus". MC Pikachu, de 15 annos, vae alem: "Estava na
rua, fumando um baseado, chegou a novinha e pediu para dar um trago
(...) Dá a boceta para mim, (dá) o cu e fuma". Alem da erotização
infantil, a differença no tractamento entre funkeiros e funkeiras mirins
leva a uma discussão sobre genero: a sexualização dos meninos é
permittida e a das meninas não?}


DOM DOM DOM [MC Pedrinho]

Dom, dom, dom, dom, dom, dom, dom
Tava aqui no baile, escutando aquelle som
Dom, dom dom, dom dom dom, dom
Adjoelha, se prepara e faz um boquete bom

Vem mammando um, depois mamma outro
Um de cada vez até mammar o bonde todo

Mamma e não resisto, que temptação!
Novinha, tu (novinha, tu) faz um boquete bom
Mamma e não resisto, que temptação!
Novinha, tu (novinha, tu) faz um boquete bom

Dom, dom, dom, dom, dom, dom, dom
A novinha experiente ja nasceu com esse dom
Dom, dom dom, dom, dom, dom, dom
Adjoelha, se prepara e faz um boquete bom

As menina (as menina), ellas não teem frescura
Chupa, chupa e se lambuza
Vae, que isso, nem!
Chupa, chupa e se lambuza
Vae, que isso, nem!


Feita a transcripção, não posso passar sem insistir que, quando a minha
poesia é rotulada de "pervertida" e "perversa" ao exaggerar na
sexualidade e na crueldade, devo argumentar que o sadomasochismo está na
propria malicia humana, ou na maldade humana, a começar pelas partes
mais fraccas, como a creança e a mulher. Para illustrar o que digo,
pincei estes dois sonnettos nos quaes o ultimo tercetto é a falla da
outra pessoa, em resposta à da primeira nas estrophes anteriores. O
primeiro sonnetto allude a uma menina assediada por um adulto pedophilo
e o segundo a um caso veridico do mundo islamico:


SONNETTO PARA UMA OVELHINHA DESGARRADA [2035]

Mas que menina linda! Venha ca!
Aqui, com o tithio! Qual é seu nome?
Cadê sua mamãe? Vae voltar ja?
Não fique preoccupada! Ella não some!

Mamãe lhe dá presentes? Papae dá?
E que mais quer ganhar? Quer bala? Tome!
Alli vendem brinquedos! Vamos la?
Tambem vendem pipoca! Está com fome?

Me dê a mãozinha! Assim! Está com medo?
Tithio não vae morder! Ainda é cedo!
Que tal dar um passeio no meu carro?

"Foi elle, sim, mamãe! Quiz me foder!
Babaca! Accreditou que tem poder
de seducção? Em velho eu não me amarro!"


SONNETTO PARA UMA GAROTA QUE NÃO É DE QATIF [2042]

Que tenho a declarar? Fui sequestrada,
sahindo à rua à noite, por bandidos!
Levaram-me ao seu antro e fui, por cada
um delles, suja, em todos os sentidos!

Foderam-me na bocca! Penetrada
me vi de todo lado! Meus gemidos
inuteis foram sempre, pois que nada
commove esses machões embrutescidos!

Clemencia, meritissimo, eu lhe imploro!
Si saio condemnada deste foro,
coitadas das mulheres estupradas!

"Culpada foi você, que os provocou!
Em nome do Senhor, pois, eu lhe dou
sentença de duzentas chibatadas!"


Ambos os sonnettos foram incluidos numa abrangente anthologia que accaba
de sahir pela editora Hedra, intitulada POESIA VAGINAL: CEM SONNETTOS
SACANAS, dentro da mesma serie "Sexo" que está publicando obras
radicalmente libidinosas, como PERVERSÃO de Robert Stoller e A VENUS DAS
PELLES de Masoch. O volume de sonnettos mattosianos abborda os mais
diversos e transversos angulos do erotismo e da pornographia, cobrindo,
por admostragem, uma producção que vae de 1999 a 2012. Para outros
detalhes sobre o livro, accessem: www.hedra.com.br

Alguns poemas do livro estão em video no youtube:

BOCETEIRO (SONNETTO 309)
https://www.youtube.com/watch?v=QUtbaEhpBe4

O MAIS MASCULO VOCABULO VERNACULO (SONNETTO 3222)
https://www.youtube.com/watch?v=0aRuOqG3uEQ

VOCALICA VOCAÇÃO (SONNETTO 3366)
https://www.youtube.com/watch?v=g_Znoq0yxn8

AUTO PRO MOÇÃO (SONNETTO 3409)
https://www.youtube.com/watch?v=X2dAS5DOllg

CREAÇÃO DA BOCETA (SONNETTO 4464)
https://www.youtube.com/watch?v=ZC0vIGwJMlI

IMPROSTITUCIONALISSIMAMENTE (SONNETTO 4981)
https://www.youtube.com/watch?v=O3Xsqw7tKac

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ABRIL/2015 (PRIMEIRA QUINZENA): DESSEDENTAMENTO SEM DESSALINIZAÇÃO


O dia mundial da agua (22 de março) deixou de ser mera data symbolica
para se sobresahir às demais commemorações do mez passado, tamanha a
repercussão das noticias sobre a crise hydrica. Em abril a data mais
allusiva ao caso teria de ser, obviamente, o dia do indio, marcado para
19, ja que ninguem deu mais valor às aguas brazileiras que o primitivo
habitante de Pindorama. E quanto aos caras pallidas? E quanto aos
emboabas?


A poesia dos brancos até que tractou bastante das nossas doces reservas,
como não poderia deixar de ser num paiz de correntes amazonicas e
cataractas colossaes. Mas só no ultimo seculo os poetas começaram a
notar que as fontes tenderiam a minguar. Emfim, a ficha demorou a cahir.
Tenho um livro inedito, chamado CRITICA SYLLYRICA, no qual analyso, em
forma de sonnetto, os sonnettos alheios, alguns delles thematizando
nossos rios. Nas admostras, excolhidas a dedo, de Amadeu Amaral
(sonnetto "Rios"), Belmiro Braga (sonnetto "Olhando o rio") e Hermes
Fontes (sonnetto "Rio"), por exemplo, ainda prevalesce aquella imagem
idyllica do caudaloso curso d'agua que evoca sentimentos nobres e
desperta reminiscencias pessoaes. Ja nos meus sonnettos em que replico
aos auctores (respectivamente os de numero 5186, 5193 e 5204), tracto de
desmystificar a scena limpa e de introduzir no debatte as consequencias
da predação humana, traduzida em lixo, exgotto e polluição industrial. A
mesma attitude tomei quando parodiei a canção "Planeta agua", de
Guilherme Arantes (brilhantemente entrevistado por Emmanuel Bomfim na
radio Estadão), no sonnetto "Sobre um planeta mal molhado", que sahiu no
livro CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO, mas agora cabe deslocar o foco a
partir dessa emergencial perspectiva da pura e simples secca, ou da
impura e complexa "crise hydrica", para usar a expressão em voga.


Ja não se tracta de protestar contra uma progressiva transformação da
represa em retrete, do reservatorio em mictorio ou da bacia em... bacia!
Tracta-se de cahir na real e questionar si as aguas dictas "servidas"
ainda serão sufficientes para reutilização minimamente "potavel", ou, em
portuguez claro, si ainda teremos mijo para mactar a sede, ou até
quando. Antes o sal "purificado" da agua do mar dessalinizada que o sal
"urificado" da agua do bar descarregada...


Para não chover no molhado, digo, reclamar da falta de chuva no "volume
morto", deixo a discussão technica para os especialistas e me attenho ao
affan poetico, que é minha praia cada vez mais impropria para banho.
Abbaixo transcrevo o sonnetto parodico para Arantes, um madrigal e umas
glosas ineditas, que entrarão em futuros volumes, ja não mais
parametrados pela forma fixa do sonnetto, e sim da sextilha em
decasyllabo e da decima em redondilha maior. Um urinario brinde a todos!
Saude! Salve! Digo, salve-se quem puder!



SONNETTO SOBRE UM PLANETA MAL MOLHADO [2988]


Agua que a chuva empoça no telhado
e cria o mosquitinho que nos picca...
Agua que, mal brotando la da bicca,
aqui ja chega suja, e a bebe o gado...


Agua fedendo a lodo que, cagado
no corrego, o empesteia e por la fica...
Agua residual de quem fabrica
venenos e agrotoxicos ao lado...


Agua que a gente bebe da torneira,
com cheiro de alga podre e que não serve
siquer para lavar uma lixeira...


Agua que, mesmo quando a gente ferve,
nos sabe a mau sabor, que mal nos cheira,
e irriga, no meu verso, o verme e a verve...



MADRIGAL PLUVIAL


Si chove, allaga tudo e causa o chaos.
Si falta chuva, os niveis estão maus.


Paresce a crise hydrica o dilemma
do seculo: agua molle ou pedra dura?
Concreto ou varzea verde? A gente rema
mais contra a correnteza ou a natura
nos pune com a secca? A pena extrema
será bebermos mijo ou merda pura?


Não falta um palpiteiro que assegura:
exgotto se approveita, si tractado!
Eu fico imaginando: que fartura
de merda! Estamos salvos! Mero dado
visivel e olfactivo é o da tinctura
marron... Quanto ao sabor... será do aggrado!



MOTTES GLOSADOS


Agua agora se raciona
até para tomar banho.


Lavar rola, lavar conna,
só no sabbado, e olhe la!
Como a coisa feia está,
agua agora se raciona.
Ja pensou? Que porcalhona
fica a gente! Nem me accanho
mais si alguem vê monco ou ranho
me excorrendo pela cara!
Que fazer, si a aguinha é rara
até para tomar banho?


Que legal! Vae ser cafona
manter limpa a minha bunda!
Mesmo a rola estando immunda,
agua agora se raciona!
O fedor daquella zona
corporal nada de extranho
mais terá! Pretexto eu ganho
si ter cheiro de gambá
vou, pois agua faltará
até para tomar banho!



Approveite emquanto pode
tomar banho demorado.


Você, caso se incommode
com cocô grudado ao rego,
seu banhinho, no sossego,
approveite emquanto pode!
Ensaboe seu bigode
devagar e, com cuidado,
lave o penis ensebado!
Amanhan, si a ducha secca,
vel-o eu quero, de caneca,
tomar banho demorado!



A vantagem dessa crise
é mais gente com chulé.


Por favor, ninguem me advise
que está secco outro riacho!
Mas, pensando bem, eu acho
a vantagem dessa crise...
Si é meu fracco que me pise
um rapaz que tenha pé
chulepento, torço até
para haver racionamento,
pois, sem agua, o que eu enfrento
é mais gente com chulé...



Mais ninguem pode dizer
de qual agua beberá.


"Desta aqui não vou beber,
nem daquella la, jamais!"
Essas phrases, ou quetaes,
mais ninguem pode dizer.
Todos temos o dever
de poupar agua: não dá
para achar que em nosso cha
não lavou alguem o pé.
Quem mijou ja sabe até
de qual agua beberá.


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